quinta-feira, 20 de novembro de 2008

ORTOGRAFIA

A palavra ortografia vem do grego orthós + grápho, isto é, o modo correto de escrever. Quem determina que modo é esse sempre foi uma questão polêmica. Na tradição luso-brasileira, o papel tem sido desempenhado por legisladores, respaldados por comissões de sábios. É o que ocorre mais uma vez na atual reforma ortográfica.

Um dos argumentos mais correntes contra o acordo – o de que ele é condenável por mexer apenas no modo de escrever as palavras, deixando de lado as divergências sintáticas e semânticas entre Brasil e Portugal – lembra a desculpa do capitão que negligencia a manutenção de seu navio porque não pode controlar o oceano. A não ser nos delírios de ditadores caricatos, o poder dos governantes sobre sintaxe e semântica é zero: não há o que eles possam fazer. Sobre a ortografia, verniz da língua, há.

Se deveriam se meter nessa seara é outro debate. Na definição da ortografia, o poeta português Fernando Pessoa preferia o método da lenta decantação cultural ao das canetadas legislativas, o que o levou a se insurgir contra uma das reformas de espírito “simplificador” pelas quais o português passou. Em suas palavras, “um acto que, à parte ser desnecessário, ou, pelo menos, não urgente, foi abrir uma cisão cultural entre nós e o Brasil”.

É justamente essa cisão, que resistiu a outros decretos ortográficos desde Pessoa, que o acordo – decepcionante sob certos aspectos, como costuma ocorrer com o fruto do trabalho de comissões – procura combater. O abismo cultural não sumirá por milagre, mas a parte dele que corresponde ao modo de grafar vocábulos ficará reduzida a alguns casos de dupla grafia – nada muito diferente do que ocorre no inglês. Os portugueses aboliram o trema em 1946. Nós o aboliremos agora. É pouco, mas é um sinal de aproximação onde vinha prevalecendo o distanciamento.

Publicado na “Revista da Semana”.

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