quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Negros relatam sofrer preconceito no ensino superior

Segurança barrou aluno por achar que se tratava de um ladrão de carro.
25% dos negros e pardos estão na universidade, contra 58% dos brancos.


Cleiton Silva Menezes, 21 anos, que enfrentou preconceito na universidade em que estudava (Foto: Divulgação/Educafro)

Foi na universidade que Cleiton Silva Menezes, 21 anos, enfrentou a situação mais humilhante de sua vida. Negro e portador de deficiência física que afeta a coordenação motora, ele foi barrado pelos seguranças na saída do estacionamento. O motivo? Os vigias acharam que o jovem estivesse roubando um carro.

 

"Eu dirigia o carro do meu pai, mas disseram que eu não tinha como ter um carro daquele nem ser aluno dali", afirma Cleiton, que cursava economia em uma universidade particular da Grande São Paulo.

 

Mesmo com o documento do carro e a carteira de estudante em mãos, Cleiton foi retido até o estacionamento esvaziar. "Só aí se convenceram de que eu era o dono." De tão humilhado, o jovem nem fez um boletim de ocorrência. "Se fosse hoje, não toleraria de jeito nenhum. Sou mais consciente dos meus direitos."

 

 

Foto: Arquivo pessoal

Thaís da Silva Santos, 26 anos, que é monitora do laboratório de física da faculdade onde estuda (Foto: Arquivo pessoal)

Thaís da Silva Santos, 26 anos, conta que percebe o espanto de muitos colegas quando sabem que ela é monitora do laboratório de física da universidade onde cursa engenharia química. "Me olham surpresos, como que duvidando da minha capacidade".

Preconceito

"É o famoso racismo institucional. Há uma inércia racista na sociedade e, na universidade, não é diferente", afirma José Jorge Carvalho, professor de antropologia da Universidade de Brasília (UnB) e autor do projeto de cotas adotado pela instituição.

 

"As universidades são embranquecidas. Muitos negros não conseguem participar de programas de iniciação científica da faculdade, por exemplo, apesar de preencherem os requisitos. Quando depende de entrevista ou da indicação de um professor, são barrados", afirma Carvalho, que, em dezembro, lança um livro sobre racismo institucional, especificamente no Ministério Público Federal.

 

Segundo a professora Patrícia Maria Leandro, 39 anos, que diz já ter sofrido preconceito, é muito importante que os pais ensinem aos seus filhos as suas origens, para que não aceitem a discriminação de qualquer ordem, principalmente a de raça. "Em sala de aula, ensino a história e a cultura negra para que cresçam cidadãos plenos."


Estatística

Daniel Gilberto Ferreira da Silva, 20 anos, sabe bem disso. Ele quase não tem colegas negros na universidade federal paulista onde estuda. Daniel conta que vê dois ou três negros no período diurno. "Somos mesmo muito poucos. E professor negro, só tive um", afirma. 

 

Esses percentuais fazem parte da Síntese de Indicadores Sociais 2007, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A base do estudo é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). 
 

O Ministério da Educação (MEC) não dispõe de dados sobre negros no ensino superior. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao MEC, a pergunta sobre raça no Censo da Educação Superior é opcional e, como poucos a respondem, ela não é estatiscamente significante.

 

Formandos da primeira turma de administração da Zumbi dos Palmares (Foto: Divulgação/Zumbi dos Palmares)

Iniciativas

Destoando desse cenário, a Faculdade da Cidadania Zumbi dos Palmares , em São Paulo, tem 88% de seus alunos afrodescendentes auto-declarados. Surgida em 2004, a primeira turma de administradores se formou no ano passado.

 

"O objetivo da criação da faculdade é formar profissionais negros para levar diversidade ao mercado de trabalho, inclusive para os cargos de chefia", afirma José Vicente, reitor da faculdade e presidente da ONG Afrobrás. 

Outra iniciativa que visa ampliar o ingresso dos negros no ensino superior é a Educafro , ONG que mantém uma rede de cursinhos pré-vestibulares que atende 9 mil vestibulandos. A instituição realiza ainda o Vestibular da Cidadania, que é um programa de ação afirmativa que oferecerá, neste ano, 850 bolsas de estudos parciais e integrais em 12 instituições de ensino superior.

 

O processo seletivo é composto por uma prova só com perguntas sobre cidadania. Para a concessão das bolsas, também são levadas em conta características como militância, consciência crítica e formação política.

Nenhum comentário: