sexta-feira, 24 de junho de 2011

SEM SAUDE,....SEM EDUCAÇÃO.....A LEGITIMA COPA DO MUNDO 2014....O BRASIL VAI ENTRAR EM FRIA,OU MELHOR NÓS

Observatório da Imprensa: O Escândalo na FIFA no Brasil

Posted: 13/06/2011 by xicopati in Do Malta
A cobertura da corrupção no esporte Por Lilia Diniz em 09/06/2011 na edição 645
Há cerca de duas semanas, graves acusações de desvios de conduta de altos dirigentes de entidade esportivas ganharam amplo destaque a partir da exibição do programa Panorama, produzido pela BBC, rede pública do Reino Unido. De acordo com o programa, Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e integrante do Comitê Executivo da Fédération Internationale de Football Association (Fifa) e outros diretores da federação receberam propina da empresa ISL, que atuava no ramo de marketing esportivo nos anos 1990. As denúncias também envolvem o ex-presidente da Fifa, João Havelange. No início da década de 2000, quando a ISL foi à falência, a Justiça suíça descobriu o caso.
O Panorama afirma que Teixeira e Havelange firmaram um acordo com a Justiça para escapar do processo por meio do pagamento de uma multa e da devolução do dinheiro recebido. Segundo a BBC, a Fifa tentou evitar a divulgação de detalhes do caso e impedir que reportagens sobre o assunto fossem publicadas. Em meio à forte crise institucional, dias antes da mais recente eleição para a presidência da federação, a imprensa denunciou que o Catar teria pago U$$ 20 milhões para sediar a Copa do Mundo que será realizada em 2022.
Mesmo com as denúncias, o atual presidente da Fifa, Joseph Blatter, venceu a eleição com esmagadora maioria. Blatter ocupa o cargo desde 1998. A Fifa não negou as acusações de corrupção, mas prometeu mudanças internas. O assunto ganhou manchetes em todo o mundo e chegou a ser tema de reportagens de cadernos de Economia.
No Brasil, o jornal Valor Econômico publicou matéria sobre o assunto com destaque na primeira página, enquanto outros veículos restringiram o fato às páginas de Esportes.
O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (7/6) pela TV Brasil discutiu o espaço (veja vídeo abaixo) e, sobretudo, a localização dos escândalos no futebol nas páginas dos jornais. Além do caderno de Esportes Alberto Dines levou ao estúdio três profissionais de imprensa que têm grande experiência na área de Esportes. No Rio de Janeiro, participaram o presidente do diário esportivo Lance!, Walter de Mattos Jr., e o editor de Esportes do jornal O Globo, Antônio Nascimento.
Fundador e editor do Grupo Lance!, Walter de Mattos é economista graduado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e tem cursos de pós-graduação pela London Business School e Insead, na França. Jornalista há 25 anos, Antônio Nascimento é editor de Esportes há quinze. Foi responsável pela cobertura de quatro Copas do Mundo e quatro Jogos Olímpicos. Em São Paulo, participou o jornalista Marcos Augusto Gonçalves. Na Folha de S.Paulo, Marcos Augusto foi editor de Opinião, editor do caderno “Ilustrada” e correspondente em Milão. Cobriu dois Jogos Olímpicos e uma Copa do Mundo pela Folha e foi diretor editorial do diário Lance! e do site Lancenet.
No editorial que abre o programa (ver íntegra abaixo), Dines avaliou que as denúncias de corrupção teriam maior repercussão se não fossem publicadas apenas nas páginas de Esportes: “Com o mesmo destaque, porém nas páginas frequentadas por políticos e empresários, este noticiário já teria incriminado muita gente e os escândalos não se repetiriam com tanta freqüência”. Para Dines, os leitores dos cadernos esportivos preferem as notícias ligadas ao esporte em si e não à política ou às finanças do mundo esportivo.
A blindagem de Teixeira Na reportagem exibida antes do debate no estúdio, o jornalista Juca Kfouri acusou a Rede Globo de “blindar” Ricardo Teixeira. Segundo o jornalista, a cobertura da TV Globo mostrou a participação dos outros dirigente da Fifa, mas não mencionou as denúncias contra o presidente da CBF e do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo no Brasil. “Acaba tudo indo para o caderno de Esportes porque estamos falando de Copa do Mundo, de Olimpíadas. Mas, certamente, caberia no caderno de Negócios, de Economia. E de Polícia, com muita freqüência”, disse o jornalista. O colunista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo, disse que todas as editorias deveriam ficar atentas aos escândalos no futebol: “A sombra de suspeição que pesa sobre todas as atividades de Fifa, não só a Copa do Mundo, ficou muito aguçada nestes últimos dias”.Para Otávio Leite, editor-assistente do diário esportivo Marca Brasil-RJ, a mídia fazendo uma boa cobertura sobre os preparativos para a Copa do Mundo de 2014: “A mídia se transformou no verdadeiro órgão fiscalizador do que deveria ser feito e do que não está sendo feito”.
De Londres, o correspondente Silio Boccanera avaliou que a vitória de Joseph Blatter para a presidência da Fifa mostrou que, fora do Reino Unido, as denúncias de corrupção e suborno envolvendo a entidade não tiveram grande repercussão. “Os ingleses ainda estão tentando entender o porquê dessa reação. É bem verdade que o assunto ganhou um destaque maior porque as primeiras denúncias vieram de uma filmagem às escondidas feita em dezembro pelo Sunday Times, um jornal daqui. Depois, foi um cartola britânico, que em depoimento a uma Comissão Parlamentar de Inquérito, em Londres, disse que recebeu pedidos de suborno quando tentava promover a Inglaterra como sede da Copa de 2018”, lembrou o correspondente.
Silio Boccanera ressaltou que no Reino Unido o escândalo foi tratado com destaque nas primeiras páginas dos jornais e na abertura dos telejornais. E contou que os tablóides chegaram a comparar o presidente da Fifa com um personagem de um famoso seriado sobre a máfia: “Era um assunto praticamente político. De fato, é porque [diz respeito a] relações de poder em uma entidade internacional que envolve mais de 200 países. E, segundo os tablóides britânicos, famosos por suas manchetes exageradas, Joseph Blatter já é chamado aqui de ‘o Tony Soprano do futebol mundial’”.
Mais espaço para o Esporte No debate ao vivo, Antônio Nascimento disse que o leitor do caderno de Esportes não é “um leitor de segunda divisão” e destacou que, no jornal O Globo, os “assuntos sérios” do mundo do futebol não são cobertos apenas pela editoria de Esportes – estão presentes também em Economia e Política. “Agora, não dá para achar que tem uma ‘senhora’ crise na Fifa, talvez a maior na história da Fifa, e isso vá para as páginas de Internacional. Esporte hoje, no Brasil, é, em todos os sentidos, inclusive jornalisticamente, uma coisa muito séria”, explicou o jornalista. Na avaliação de Nascimento, a reestruturação da área de Esporte para os eventos programados para 2014 e 2016 está ocorrendo em ritmo lento. O ideal seria reforçar o setor com profissionais de outras áreas: “Eu preciso de um repórter que possa ficar fazendo uma pesquisa por dois meses e sumir da minha redação”. Marcos Augusto Gonçalves acredita que se o noticiário sobre corrupção no Esporte fosse coberto também pela editoria de Política poderia ter “um pouco mais de atenção”, mas ponderou que é otimismo achar que essa alteração seja capaz de despertar um grande interesse e provocar mudanças concretas. “A gente sabe que mesmo na política há muita corrupção, muitos casos obscuros que a imprensa menciona e muitas vezes desiste, não leva à frente”, avaliou o jornalista. Marcos Augusto destacou que neste momento de preparação para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos, as editorias de Esporte merecem mais atenção da direção dos jornais e poderiam ganhar mais espaço. O jornalismo de entretenimento deveria conviver com um jornalismo atento e perseverante que acompanhe as nebulosas questões dos bastidores do esporte. Na avaliação de Marcos Augusto Gonçalves, o interesse em investir na publicação de reportagens ou colunas sobre os bastidores do esporte deve partir da direção de redação dos jornais. O jornalista lembrou que em um grande veículo de comunicação há uma hierarquia de temas que diminui as chances de assuntos ligados aos bastidores do Esporte ganharem destaque no noticiário. “O público do Esporte não configura uma opinião pública que repercuta este tipo de assunto. Se você pega um jogador enchendo a cara em um baile funk, isso repercute dez vezes mais do que se você pega um dirigente – que na cabeça do torcedor já não é muito confiável – em uma situação de corrupção”, assegurou o jornalista. Outro ponto importante nesta questão, segundo ele, é interferência de interesses financeiros das empresas de comunicação na atuação dos profissionais da redação. Um exemplo é a compra dos direitos de transmissão de um campeonato de futebol, que pode influir na cobertura do evento. Sociedade cega Para Walter de Mattos Jr. não há garantia de que os delitos na alta cúpula do esporte sejam punidos caso a cobertura migre para as páginas de Política. Para ele, , há um “cinismo” da sociedade, que ignora as sequências de “delitos gravíssimos” envolvendo a administração da CBF e permanece passiva diante do noticiário. “Esse escândalo do Ricardo Teixeira, que mereceu uma repercussão muito pequena, não muda uma relação que é da maior importância para a sociedade brasileira. É isso que me intriga muito. Nós somos um país que vai sediar a Copa e as Olimpíadas.
Nunca se fez uma Olimpíada, na história, em que o presidente do Comitê Organizador fosse presidente do Comitê Olímpico – e, aqui, é o caso. Não tem governança nenhuma de controle em cima disso”, criticou o presidente o Lance! . Walter de Mattos comentou uma frase de Joseph Blatter sobre a crise na Fifa: “Nós vamos resolver isso em família”. “Essa ‘família’ funciona no Comitê Olímpico Internacional (COI), funciona na CBF, na Fifa. As instituições que estão por baixo são parte desta ‘família’, elas funcionam também no mesmo modelo. Você pega uma entidade brasileira e ela tem os seus afiliados. E eles todos precisam beijar a mão daquele capo que está lá em cima”, lamentou Walter de Mattos. Para o presidente do Lance!, é preciso refundar a questão do esporte. Hoje, o esporte envolve altas somas de dinheiro, mas os modelos usados na administração são praticamente os mesmos do passado, quando a importância do esporte na sociedade era apenas simbólica.
*** Sob o império da impunidade Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV exibido em 7/6/2011
A impunidade está em vantagem no mundo esportivo brasileiro porque os ilícitos são denunciados nas páginas de Esporte. Com o mesmo destaque, porém nas páginas frequentadas por políticos e empresários, este noticiário já teria incriminado muita gente e os escândalos não se repetiriam com tanta freqüencia. A importância de uma notícia depende basicamente da repercussão que provoca.
Os leitores dos cadernos esportivos são em sua maioria torcedores apaixonados e torcedores apaixonados estão preocupados com o que se passa ou vai passar nos gramados e quadras. As malfeitorias no futebol ficam geralmente impunes, embora denunciadas com veemência e galhardia por alguns ases do nosso jornalismo esportivo, porque aqueles que decidem não dão a devida atenção ao noticiário esportivo e talvez nem cheguem até ele ao folhear o jornal.
Os últimos escândalos envolvendo a Fifa, seu presidente Joseph Blatter e a compra de sedes para as próximas Copas do Mundo ganharam uma surpreendente reverberação porque foram denunciados em páginas ditas “nobres” de prestigiosos veículos como o Economist, a BBC, o Wall Street Journal e o El País.
No Brasil, as denúncias foram parar na primeira página do Valor Econômico e, em seguida, na emérita página 2 da Folha de S.Paulo porque o seu principal colunista, Clóvis Rossi, considerou-a tão importante quanto as denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palloci. A eleição para a presidência da Fifa não foi adiada e o seu eterno presidente, Joseph Blatter, foi mantido no cargo.
Em parte porque seu principal opositor, a Inglaterra, também estava sob suspeição. No caso da próxima Copa e da Olímpiada de 2016, convém não esquecer que as obras interessam a toda a sociedade, já não se trata de convocar este ou aquele técnico ou atleta, está em jogo o placar nacional contra a corrupção.
De qualquer forma, está desvendada a arma secreta capaz de enquadrar cartolas nacionais e internacionais. Basta derrubar o muro que impede os escândalos esportivos de chegarem às páginas “nobres” como fez Clóvis Rossi com muita coragem.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A Redução do Pensamento à Palavra

O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia-lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeria, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá-lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia.

Clarice Lispector, in "A Maçã no Escuro"

Corrupção na FIFA: Ricardo Teixeira envolvido e Grande Mídia Esconde


Na segunda-feira, a TV Britânica BBC mostrou uma reportagem que revelou que o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, admitiu na Suíça pagamentos de propinas na FIFA, e mais ainda, disse que foi fechado um acordo para impedir a publicação dessas informações pelo tribunal de Zug, Suíça, no caso da ISL, que entre 1989 e 1999 foi a responsável pela venda dos direitos de televisão das copas do mundo. (O vídeo completo em Ingês pode ser visto aqui http://www.sportpost.com/video/view/FIFA+Footballs+Shame++Panorama+BBC )
Esse acordo também passou pelo ex-presidente da FIFA, João Havelange. Teria sido pago em propinas cerca de U$100 milhões.
Quando a ISL quebrou, ela quase levou a FIFA junto. Foi aberto um processo e foi constatado que o pagamento de propinas aconteceu dentro da entidade, e que a empresa de marketing esportivo ISL, era uma empresa laranja para tentar impedir que o esquema de corrupção fosse revelado.
Apesar de comprovado o pagamento de propinas, os depoimentos e culpados foram mantidos em sigilo, porque as partes chegaram num acordo e pagaram, uma multa de U$5,5 milhões. Na Suíça, quando existe um acordo, todos os detalhes do processo são mantidos em sigilo.
No total, o pagamento teria chegado a U$120 milhões durante os anos.
Ricardo Teixeira foi citado em uma CPI no Reino Unido por pedir favores para dar seu voto para a Inglaterra na escolha da sede da Copa de 2018.
Agora a pergunta, por que será que a grande mídia brasileira não noticia esse caso? Aliás noticiou como vocês podem ver aqui http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2011/05/apos-denuncias-blatter-tera-que-depor-ao-comite-executivo-da-fifa.html mas em nenhum momento cita Ricardo Teixeira ou João Havelange, que interessante não?
Seria a grande mídia brasileira um grande meio para mostrar casos de corrupção para os brasileiros? Ou será que só são investigados pela mídia brasileira os que são seus Inimigos?
Aqui está um vídeo do jornalista Andrew Jennings (responsável pela investigação) dando um recado ao povo brasileiro. Link do vídeo aqui.


Fonte: ESPN

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre o amor

Ferreira Gullar


Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.

Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.

O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, anti-burguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento, que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem a traídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma COisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções — e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.

Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos ávidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Essa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura, que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventUra sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério - o assim chamado -, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz — e volta ao bife com fritas.

Mas às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.

A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até o amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tUdo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E no entanto o foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.

Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda­roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tUdo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar­se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.

E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...

Isso dizes agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.

O texto acima foi extraído do livro "A estranha vida banal",  editora José Olympio - 1989, e consta da antologia "As 100 melhores crônicas brasileiras", Editora Objetiva, pág. 279 - Rio de Janeiro - 2005,  organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

PAULO LEMINSKY

A noite - enorme, tudo dorme, menos teu nome.” (Paulo Leminski)
__________________________________________________
"nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
"

o mar o azul o sábado
liguei pro céu
mas dava sempre ocupado

hoje à noite
lua alta
faltei
e ninguém sentiu
a minha falta

meio dia três cores
eu disse vento
e caíram todas as flores




OS CINCO PILARES DA MEMÓRIA

Por volta do ano 500 a.C., na Grécia Clássica, um boxeador chamado Scopas, ao alcançar a mais importante vitória de sua carreira, contratou o poeta Simônides de Ceos para escrever um hino, em seu louvor, que registrasse a conquista e fosse apresentado na festa comemorativa desse feito. Assim aconteceu.
Apontado por alguns como o pai do iluminismo grego, Simônides não era um poeta qualquer. Platão o chamava de "homem sábio e divino " e Gotthold Lessing o intitulou como o "Voltaire grego". Simônides, autor da frase "pintura é poesia silenciosa e poesia é pintura falante" , inspirou as teorias de Kandinsky sobre a relação entre espiritualidade e arte. O pintor russo, mais de dois milenios depois, desenvolveu a idéia do grego e, em seu livro "Do espiritual na Arte ", lançou a proposta de escutar, em um piano interno, a música de cada imagem.
Segundo conta Cícero, quando Scopas percebeu que o poema que havia encomendado tinha dois terços de sua sofisticada retórica louvando os deuses desportistas Castor e Pólux e apenas um terço para o encomendante do poema, se sentiu insultado na alma e declarou que pagaria apenas um terço da quantia combinada, pois entendia que os outros dois terços deveriam ser cobrados dos deuses elogiados pelo poeta.
No banquete desportivo onde o poema foi lido, Simônides foi chamado, no meio da noite, à entrada pelo porteiro, com o apelo de que haveriam dois jovens à porta, querendo falar-lhe com urgência. Ao sair, o poeta não encontrou ninguém lá fora, mas, nesse momento, presenciou o desabar do teto da grande sala o que redundou na morte de todos os convidados. Apenas Simônides, retirado da sala a tempo, fora poupado da tragédia. Diz-se, desde então que os deuses Castor e Pólux pagaram pessoalmente a dívida pela Canção, enquanto Scopas, mesquinho e orgulhoso, foi severamente castigado.
Conta Cícero em sua "Ars Memoriae " que, mais tarde, os familiares dos convidados, querendo enterrar seus parentes falecidos, se viram incapazes de identificá-los entre tantos cadáveres mutilados e desfigurados. Nesse momento, se lembraram de acionar o poeta, o único sobrevivente do incidente e o único que poderia saber a localização dos diversos convidados no derradeiro jantar. Simônides, dono de uma memória visual invejável foi capaz de reconstituir o lugar de cada um no festejo.
Seria a partir dessa reconstituição que Simônides criaria o seu famoso "Teatro da Memória ", uma técnica de memorização que nos permite guardar até seis mil palavras ou números em sequência emocional após uma única escuta.
O primeiro pilar, a meditação, é na verdade o primeiro e o último. O trabalho de potencializar a memória começa e termina com a meditação.No primeiro momento, ela é importante porque regula o sistema endócrino e, principalmente, a produção do hormônio "cortisol" pelas supra-renais. O cortisol é um hormônio produzido pelo corpo, em resposta às situações de estresse. Quando liberado em doses excessivas no sangue (o que acontece na grande maioria das pessoas maiores de idade no ocidente) o cortisol diminui a memória de três maneiras:ele consome a glicose do cérebro e essa, constitui o único alimento das células cerebrais. Assim, quando liberado em quantidade maior que a ideal, ela vai matando as células cerebrais por inanição. Em segundo lugar, o cortisol é uma substância corrosiva, que, aos poucos, consome e sacrifica as ramificações entre os neurônios. Após comer as ramificações dos neurônios, o cortisol passa a consumir o próprio neurônio, criando buracos, muitas vezes irreversíveis nas paredes das células. Por último, o cortisol inibe a ação de importantes neurotransmissores, incluindo a acetilcolina, o mais importante neurotransmissor da memória. A meditação sozinha é suficiente para equilibrar quimicamente o funcionamento do cérebro.
O segundo pilar da memória, a nutrição, é importante no processo regenerativo do que já foi destruído na pessoa. Normalmente quando a pessoa passa a não conseguir mais se lembrar de uma ou duas palavras habituais, que teimam em não vir à sua cabeça quando necessário, ela acha que está começando um processo de declínio mental. Na verdade, quando isso acontece, 90% ou até mais das ramificações nervosas dos neurônios já estão comprometidas. Por esquecer menos de um por cento dos dados, a pessoa deduz que perdeu um por cento da capacidade do cérebro de responder a desafios, mas não é verdade; quando a pessoa perde as primeiras conexões entre as células, as informações que seriam enviadas por ali, passam por outros caminhos auxiliares e a pessoa não percebe que perdeu potencial. Quando ela se dá conta, o processo degenerativo já está bam mais avançado nela. Com algumas sugestões nutricionais, que incluem vitaminas e aminoácidos adequados, a pessoa, após neutralizar a produção de cortisol, é capaz de recuperar a saúde do corpo de cada célula cerebral.
Neste momento entra em cena a respiração, o terceiro pilar. Se a alimentação devolve saúde ao corpo central da célula, através de técnicas respiratórias, é possível ativar e dinamizar as mitocôndrias, os "motores" internos das células, que produzem eletricidade e magnetismo e estimulam o nascimento de novos dendritos, a capilarização nervosa dos neurônios. Com isso, eles ganham a capacidade de estabelecer um sem número de novas conexões, ampliando imensamente a capacidade de memorizar.
Chega então a hora de colocar em prática o quarto pilar, que é constituído pelos exercícios de memorização. Pandit Ramesh me ensinou que essas técnicas eram utilizadas pelos antigos sábios indianos para memorizar os Vedas, livros sagrados daquele país, antes do surgimento da linguagem escrita. Nessa época, uns poucos sábios eram responsáveis por se tornarem uma espécie de biblioteca-viva, que atravessava gerações. É importante notar, que os vedas inteiros são muito volumosos. Não caberiam em uma sala de estar de uma casa comum. Prem Ramesh é um dos poucos guardiães milenares dessa técnica, ainda vivo em Varanasi, na Índia.
E, por fim, chegamos ao quinto pilar, onde são aplicados os exercicios de integração entre os corpos físico, mental e emocional. Essa parte é formada por um conjunto de movimentos que integra a nossa energia, ativa o sistema imunológico, e, reordena o sistema nervoso, equilibrando as funções neuro-vegetativas e criando uma base física não apenas para a memória, mas para reverter a espiral degenerativa pela idade em uma espiral regenerativa.
Esses cinco elementos juntos, não apenas desenvolvem uma memória antes indispensável na pessoa mas, promovem um processo de rejuvenescimento que se manifesta em suas camadas mais superficiais e mais profundas.
Pandite Ramesh me disse que era preciso adaptar essas técnicas para o homem brasileiro quando eu voltasse ao brasil, para torná-las acessíveis e funcionais ao mais simples dos futuros adeptos que delas viessem a usufruir. Foi isso o que fiz. O resultado dessa organização do material herdado é o método "Memória e Rejuvenescimento através da Meditação"- o nome que encontrei para melhor traduzir essas práticas.
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sábado, 11 de junho de 2011

clube da luta

Nos incomodamos com aquilo que somos, e com o que não gostaríamos de ser. Aprendermos com o que há de bom, mesmo no que vem de quem é ruim - pois, em última análise, todos somos ruins! E todos somos Cristo, e nos lamentamos no Getsêmani, e pedimos que o cálice seja afastado, mas ao mesmo tempo o provamos. E somos, todos, crucificados.
Isso nos é mostrado no que negamos, e no que usamos para escapar do que negamos. O que nos é muito próximo, ainda que oposto, nos incomoda. Afinal, sempre é o que deixamos para trás, ou para frente. É o que negamos ter sido, ou querer ser. O outro parece ser eu. E o verdadeiro eu, durante este processo, parece ser outro. E, por melhor ou pior que seja, no outro, por ser um outro, sempre mostrará uma nova solução, uma nova abordagem, uma outra válvula de escape e expressão para o que somos - e se é outra, não é a nossa. E se não estamos bem com a nossa, e há algo ou alguém que, ao mesmo tempo em que é igual, irmão, espelho, é também tão diferente... Vai incomodar.

Nos deram espelhos - e vimos um mundo doente
(Renato Russo)
Supondo que quem aqui esteja já com alguma maturidade para ver coisas fortes, e ver seus valores expostos, é um filme que RECOMENDO sim, e muito! O videoclipe de entrada até poderia (e deveria) ser arrancado, para ser passado em palestras conscienciais ou evolutivas. Você não é sua casa... As palavras são fortes, mas com as cenas, o ritmo, tem um impacto arrasante. Obra prima - a meus olhos leigos - de direção, de profundidade, de exposição das máscaras tão grandes e presentes que construímos verdadeiros personagens violentos em cima delas...
Na abordagem clássica de Freud, temos um inconsciente, que nos puxa para nossos recalques, traumas, desvios. Por outro lado, temos um superego, que puxa para o sentido contrário, superior. No meio desta briga, desta luta entre um e outro, entre o domar o inferior sem se perder nas contradições com o superior, estamos no terceiro, o do meio, o ego que somos nós. E, querendo ou não, uma hora vivenciamos estes pólos - que o digam as sombras dos pedófilos. Como no filme, a negação sucessiva leva o personagem à implosão. E daí, ele só sairá vivenciando.

Só a experiência própria é capaz de tornar sábio o ser humano
(Sigmund Freud)
Começa aí a história do filme, nos recalques, nos três homens em um - o que se nega, o que se queria ser em oposição - e um ser, perdido e em conflito, no meio. O que todos vêem e, na verdade, ninguém vê. O que se processava por dentro vem à tona. E se o que há dentro são conflitos, negações e violências... Este conflito de inconsciente e superego pode não ser pacífico. Inclusive para os outros.

O pensamento é a ação ensaiando
(Sigmund Freud)
E como o que se ensaia vai ao palco, o superego Brad Pitt vai trazendo à tona, de forma quase religiosa, quase neurótica. A neurose bem fundamentada traz filosofias, crenças e máximas que tem a força de um dogma religioso.
"É possível atrever-se a considerar a neurose obsessiva como o correlato patológico da formação de uma religião, descrevendo a neurose como uma forma de religiosidade individual, e a religião como uma neurose obsessiva cultural."
Sigmund Freud; Atos obsessivos e práticas religiosas - 1907
Do mesmo modo, a religião fundamentalista traz em si tantas crenças, filosofias e máximas que só é possível compreendê-la como neurose.

A religião é comparável com uma neurose da infância
(Sigmund Freud)
É verdade...

Nós somos os filhos do meio da história, sem propósito ou lugar.
Não tivemos Grande Guerra, não tivemos Grande Depressão.
Nossa grande guerra é a guerra espiritual, nossa grande depressão é a nossa vida

(Tyler Durden; Clube da Luta)
Jung aperfeiçoou depois os conceitos Freudianos, estendendo este inconsciente - que em Freud era individual - para o akáshico do inconsciente coletivo, adicionando sincronicidades e conceitos quase espirituais, religiões orientais, mitos e arquétipos. Não adianta olhar para fora, apenas. Nem para si só.

O sonho é a tentativa de satisfazer um desejo
(Sigmund Freud)
Mas Jung vai além, e o filme também:

Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta!
(Carl Jung)
Entretanto, embora mais rico, e (ainda bem) menos sexual que Freud, os elementos do conflito estão ali, presentes da psiquê do ego encarnado.
"O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera. Elas se mudam para a casa vizinha e poderão atear o fogo que atingirá sua casa sem que ele perceba. Se abandonarmos, deixarmos de lado, e de algum modo esquecermo-nos excessivamente de algo, corremos o risco de vê-lo reaparecer com uma violência redobrada."
Carl Jung

Será que não vou me libertar de suas regras rígidas?
Será que não vou me libertar de sua arte inteligente?
Será que não vou me libertar dos pecados e do perfeccionismo?
Digo: evolua, mesmo se você desmoronar por dentro

(Clube da luta)
Ou seja, é preciso movimentar. E não adianta fugir. A sombra estará ali, como ensina Jung. Tudo é movimento, como ensinam os hindus. É preciso esvaziar a taça para receber o novo. Ganha quem perde, tudo passa. Mas passa mais rápido para quem não se apega, para quem enfrenta - até um dia descobrir que apenas se enfrenta. Om Namah Shivaya

Somente após uma desgraça conseguirá despertar
Somente depois de perder tudo, poderá fazer o que quiser
Nada é estático
Tudo é movimento
E tudo esta desmoronando
Esta é sua vida
e ela acaba um minuto por vez

(Tyler Durden; Clube da Luta)
É preciso primeiro perder a religião, que em Freud é ainda a oitava inferior (que não pode ser negada, pois não se pode transcender de fato aquilo que não se viveu), o fundamentalismo, o sinônimo de neurose:
"Já uma vez antes, como crianças de tenra idade, nos encontramos em semelhante estado de desamparo, em relação a nossos pais. Tínhamos razões para temê-los, contudo estávamos certos de sua proteção. Com relação à distribuição dos destinos, persiste a desagradável suspeita de que a perplexidade e o desamparo da raça humana não podem ser remediados. Isto justifica o anseio do homem pelo pai e pelos deuses, que mantém sua tríplice missão: exorcizar os terrores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do destino, particularmente a demonstrada pela morte, e compensá-los pelos sofrimentos e privações que a vida lhe impôs. Assim se criou a RELIGIÃO, da necessidade que tem o homem de tolerar o desamparo, e construída com o material das lembranças do desamparo de sua própria infância, na continuação de um protótipo infantil universal."
(Sigmund Freud; O Futuro de uma Ilusão)
E então você não terá mais religião - nem neurose. Neste momento, tudo estará em você:

Deus existiu sempre? Que é sempre?
Deus criou-se a si próprio para depois começar a criar o universo?
Onde é que estava Deus quando se criou a si próprio?
E como é que alguém se cria a si próprio?
Do nada, passando do nada ao ser?
Se o nada existiu, tudo que veio depois estava contido no nada.
Mas se estava contido no nada, então o nada não existia

(José Saramago)
O personagem do Clube da Luta descobre isso, vive a sua neurose como religião, mas sua neurose quase religiosa fala da não-religião quase neurótica:

Aprenda a viver, descanse quando morrer. Tudo que você precisa está dentro de você
(Tyler Durden; Clube da Luta)
Ocorre que, se tudo estiver em você, é necessário uma nova análise, pois "tudo" é muito mais do que disseram que você era. Se tudo está em você, você é Deus, e esta divindade também está em você. Perdemos tudo. Até a fé. E, na descrença, a encontramos.

Quando tudo está perdido, sempre existe uma luz
(Renato Russo) Tyler diz que as coisas que nos pertencem acabam tomando conta de nós. Só depois de perder tudo é que ficamos livres para fazer qualquer coisa
(Tyler Durden; Clube da Luta)
Mas neste momento, só resta o Deus que há em nós.
"E sobrevivi,
Por ser muito mais que o ser fugaz das tramas que criei
Hoje sou muito mais
Do que acharam que eu deveria ser
Sei que estar aberto
É estar bem longe da ferrugem a corroer
Há muito deixei para trás o meu primeiro passo rumo ao infinito
Aonde o vento me levar
Nada nem ninguém me impedirá de experienciar!!!"
(Naviterra; Não Olhar Para Trás)
Após esta negação, sobrevivemos. E, no nada, encontramos o tudo. É hora de uma outra oitava para vivenciar o mesmo religioso, psicológico. Somos mais que um.

Tudo o que aprendi levou-me, passo a passo, a uma inabalável convicção sobre a existência de Deus. Eu só acredito naquilo que sei. E isso elimina a crença. Portanto, não baseio a Sua existência na crença... eu sei (grifo original) que Ele existe
(Carl Jung; Entrevistas e Encontros)
E, mesmo chegando nesta esfera superior, ainda assim a necessidade prática citada por Freud continua presente, como estará presente provavelmente em qualquer outra oitava.

Nenhuma circunstância exterior substitui a experiência interna. E é só à luz dos acontecimentos internos que entendo a mim mesmo. São eles que constituem a singularidade de minha vida
(Carl Jung; Entrevistas e Encontros)
O que era conflito se torna religião, mas é ela quem nos levará para o autoconhecimento, também. Pode ser que arrancar a árvore arraigada ao solo seja traumático - mas apenas onde as raízes forem muito profundas. Afinal, não há nada de errado em ser uma árvore - a não ser quando esta morre e seca a cada dia por agora desejar caminhar. Neste momento, Freud e Jung são aplicáveis. A experiência do filme é sexual também, é violenta também, é de negação do passado também. Com a correta ressalva de que, no fundo, é menos sexual do que parece (a não ser que tenhamos, como sugerido por Jung a respeito de Freud, recalques nesta área, e aí vejamos erros no sexo de todos), e mais COLETIVO do que a ciência cartesiana poderia admitir.
"Freud nunca se interrogou acerca do motivo pelo qual precisava falar continuamente sobre sexo, porque esse pensamento a tal ponto se apoderara dele. Nunca percebeu que a 'monotonia da interpretação' traduzia uma fuga diante de si mesmo ou de outra parte de si que ele teria talvez que chamar de 'mística'. Ora, sem reconhecer esse lado de sua personalidade, era-lhe impossível pôr-se em harmonia consigo mesmo. (...) Ele tornou-se vítima do único lado que podia identificar, e é por isso que o considero uma figura trágica: pois era um grande homem e, o que é principal, tinha o fogo sagrado."
(Carl Jung)
O filme também avança. Neste nível Junguiano, as ilusões do filme começam também a interferir em comunidades. O que era apenas religião pessoal torna-se manifestação arquetípica, passa a ter vida própria. O inconsciente e o super ego não mais se confrontam em quatro paredes, mas se relacionam, convencem os outros, lideram, arregimentam. Afinal, somos todos um só, não somos? O que seria louco até mesmo dentro de nós - se nós nos enxergássemos - passa a ser aceitável em um mundo externo também em busca de identidade. E embora parta do sexual, como na análise Freudiana, o filme aqui começa a trazer intuições, sincronicidades, como se todo um fluxo levasse o personagem ao seu "destino". Somos todos um só, os vários que somos relacionam-se com o coletivo. E se tudo é coincidência, nada mais é coincidência. O filme fica mais Junguiano, coletivo, ao extrapolar os conflitos do ego/eu.

A dialética ego/eu acontece primeiro através do pensamento analítico (reflexão). Quando este se esgota, a energia psíquica reflui do Eu para o Ego. Então nasce uma Intuição
(Carl Jung)
Mas como da tese e da antítese se faz a síntese - como ensinava Marx - o filme vai além do lado "mal e bom" da psicanálise, e se torna de certo modo Gestáltico (matar o pai) ou talvez altamente Lacaniano.
"Não há outra metalinguagem senão todas as formas de canalhice, se designarmos assim as curiosas operações que se deduzem do seguinte: de que o desejo do homem é o desejo do Outro. Toda canalhice repousa nisto, em querer ser o Outro - refiro-me ao grande Outro - de alguém, ali onde se delineiam as figuras em que seu desejo será captado."
(Jacques Lacan)
Afinal, Lacan é também o mal-humorado que, ao não querer "baba-ovos", acaba reverenciando sua origem - sem perceber que se tornara a origem de novos. É o mesmo que, ao matar o mestre que é, acabou por matar o Pai.

Aí, Freud se contradiz. Tudo indica - aí está o sentido do inconsciente - não só que o homem já sabe tudo que tem que saber, mas que esse saber é perfeitamente limitado a esse gozo insuficiente que constitui que ele fale
(Jacques Lacan)
Mas ao contrário da Gestalt, ao mesmo tempo, contraditoriamente descobre que volta, oroboros, ao mestre que teve. E lá está, como sempre, o mesmo Pai, renascido das cinzas como outro animal da mitologia que Jung estudou:

Vocês podem ser Lacanianos, eu sou Freudiano
(Jacques Lacan)
Há muito pré-conceito contra este filme, porque, não sei se você já leu nos sites, é um filme violento; o nome já choca; o videoclipe (sen-sa-cio-nal!!!) de entrada do filme choca ainda mais que o nome; o filme como um todo choca mais e mais ainda que o clipe; as pessoas são despeitadas com o Brad Pitt; cutuca as pessoas na sua luta de ID x Super-ego; questiona valores hipócritas e acomodados, e, mais grave ainda (pasme!): Um maluco já matou gente na sessão deste filme, metralhando vários, no shopping Morumbi!!!
Curioso é que, independente da sessão que ele escolheu para fazer isso ser a do Clube da Luta, na verdade o psicopata em questão simulou, em detalhes, os atos do filme "Pânico" (Este sim um tipo de filme umbralino, não raro mediúnico-negativo). Curiosamente, muito "espiritualista" assiste e gosta - curioso isso de virar a cara para os conscienciais e pegar os de terror, que geram o que a consciência critica, revela e resolve... Mas a sociedade vai torcer o nariz para o Clube da Luta, e locar o Pânico 2, 3 e cia. Assediadores agradecem. Eles também acham esta coisa de questionar, discernir e remover hipocrisias algo "muito violento".
O fato é que quem chegou até aqui, após passar por Humor, Cinema, Consciência, Freud, Jung e Lacan - vendo em tudo uma só coisa - merece sim ver o filme, se ainda não viu. Para você, que conseguiu ler, eu também RECOMENDO.
Afinal, você já sabe que:
"Você abre a porta e entra
Está dentro do seu coração
Imagine que sua dor é uma bola de neve que vai curar você
Esta é sua vida
É a última gota pra você
Melhor do que isso não pode ficar
Esta é sua vida
Que acaba um minuto por vez
Isto não é um seminário
Nem um retiro de fim de semana
De onde você está não pode imaginar como será o fundo
Somente após uma desgraça conseguirá despertar
Somente depois de perder tudo, poderá fazer o que quiser
Nada é estático
Tudo é movimento
E tudo esta desmoronando
Esta é sua vida
Melhor do que isso não pode ficar
Esta é sua vida
E ela acaba um minuto por vez
Você não é um ser bonito e admirável
Você é igual à decadência refletida em tudo
Todos fazendo parte da mesma podridão
Somos o único lixo que canta e dança no mundo
Você não é sua conta bancária
Nem as roupas que usa
Você não é o conteúdo de sua carteira
Você não é seu câncer de intestino
Você não é o carro que dirige
Você não é suas malditas calças
Você precisa desistir
Você precisa saber que vai morrer um dia
Antes disso você é um inútil
Será que serei completo?
Será que nunca ficarei contente?
Será que não vou me libertar de suas regras rígidas?
Será que não vou me libertar de sua arte inteligente?
Será que não vou me libertar dos pecados e do perfeccionismo?
Digo: você precisa desistir
Digo: evolua mesmo se você desmoronar por dentro
Esta é sua vida
Melhor do isso não pode ficar
Esta é sua vida
e ela acaba um minuto por vez
Você precisa desistir
Estou avisando que terá sua chance"

(Tyler Durden; Clube da Luta)

ser supersticioso pode trazer vantagens

Por Nelson S. Lima, do Instituto da Inteligência
Em teoria, não há mal nenhum em ser supersticioso. Você pode acreditar na "lei da atração", por exemplo. Qual é o problema? A probabilidade maior é verificar que é apenas uma crença (eu sei que aqui chegados já temos uma série de leitores a dizer que eu estou errado, que não sou um "iluminado" e ignoro a relação das forças cósmicas com as mentais/espirituais). Mas deixem-me continuar pois não vou acusar nem ofender ninguém. Vou apenas dar uma breve explicação psicológica da superstição e da magia.
Os fundamentos das superstições estão escondidos nos recônditos das nossas memórias biológicas. Somos seres supersiticiosos porque durante milhões de anos fomos forçados a acreditar que forças invisíveis e estranhas coincidências não compreendidas (como os galos cantarem ao nascer do Sol) fazem parte do nosso mundo.
O que é interessante é que as superstições - que são baseadas em sistemas de crenças antigas - podem contribuir para a saúde mental. Sem essas crenças perdemos um sentido de referência e uma sensação de poder sobre diversos acontecimentos. Muitas susperstições são inconscientes. Querem conhecer uma?
Coloque um espectador a acompanhar, ao vivo, um jogo de futebol de sua equipe predileta. É provável que ele siga, com emoção, os diversos lances, grite e gesticule para "dentro do campo" como se estivesse no estádio. Inconscientemente a pessoa "acredita" que pode influenciar a partida. A prova? Se a mesma pessoa ver apenas uma gravação do jogo acontece que ele assiste ao espetáculo com muito mais serenidade, sem gritos nem gestos, pois embora possa não saber o resultado, ele "sabe" que o jogo já aconteceu e já não tem qualquer influência no mesmo. Para quê gritar se o jogo já ocorreu antes?
Na verdade, o pensamento supersticioso - semelhante ao pensamento mágico - baseia-se no chamado "princípio da similitude" defendido pelo antropólogo escocês James Frazer, há cerca de 100 anos. Este princípio diz que se uma ação acontece depois de outra acreditamos espontaneamente que a primeira é a causa da segunda. É o que os psicólogos chamam de "processo pseudo-causal". Assim surgiram os amuletos, as rezas, fazer oferendas a santos, o evitar cruzar-se com gatos pretos, fazer certas coisas em determinadas horas e lugares, etc. Isto é tão forte que até alguns cientistas revelam ser supersticiosos. Conheço um que entra no seu gabinete com a perna direita porque acredita que assim o dia correrá melhor.
A agora famosa "lei da atração" - popularizada pelo livro O SEGREDO - diz que "se quisermos algo com toda a força e crença, o universo ouve-nos e os desejos concretizam-se" mesmo que seja ganhar a lotaria e ficar rico. Acontece, porém, que milhões de leitores chegaram à conclusão que o acreditar não basta, que a "lei da atração" não é uma garantia para nada e que tudo não passou de um embuste que ainda continua a enriquecer muita gente (e quem? os autores que continuam a escrever sobre a matéria). Consideram-se geralmente pessoas "iluminadas" e acusam os céticos de "reles materialistas".
Enfim, as superstições são ingênuas e irracionais, mas a verdade é que os psicólogos estão de acordo quanto ao fato de que elas dão ao homem a sensação de controlar uma situação, mesmo que ilusória. E isto, como afirmou o psicólogo austríaco Gustav Jahoda, "pode contribuir para preservar a integridade do conjunto da personalidade" e talvez tenha contribuído para que a humanidade sobrevivesse a períodos de grandes calamidades (catástrofes em grande escala, epidemias perigosas, etc.).
ANEDÓTICO, MAS REAL:
Os animais também desenvolvem crenças. Numa experiência de laboratório colocou-se um prato vazio a cerca de 2 metros de um ratinho. Dez segundos depois colocava-se comida.
Agora reparem neste pormenor: sempre que o ratinho, na hora de comer, corresse e demorasse menos que 10 segundos pra chegar ao prato, este continuava vazio. Verificou-se que o rato demorava cerca de 2 segundos pra chegar ao prato. Quando isso acontecia, não havia comida. O que aconteceu depois de algumas tentativas e erros por parte do animalzinho?
Ele intuiu que, se fosse logo correr para o prato, não haveria comida. Associou a sua pressa à falta de comida (processo pseudo-causal, uma concepção errônea do princípio da autoridade). O ratinho, tal como os humanos em outras situações, confundia correlação com causalidade, baseado no tal "princípio da similitude" acima focado. Para ele, o fato de correr era o que provocava o "prato vazio". Passou a ir devagar e a demorar 10 segundos convencido que isso é que lhe garantia comida. Pura ilusão. Superstição adquirida.

POST DE SAINDO DA MATRIX