sábado, 28 de fevereiro de 2009

CAMINHOS

Encontrei uma expressão Chan (Zen chinês) que diz:
"Grande dúvida, grande iluminação.Pequena dúvida, pequena iluminação.Nenhuma dúvida, nenhuma iluminação."
A tradição nos ensina que existem três pre-requisitos para a prática verdadeira: Grande Dúvida, Grande Fé e Grande Determinação.
1. Grande Dúvida
A maioria das pessoas chegam à prática espiritual motivada por um sofrimento que deu origem a um questionamento. Quase sempre, a pessoa está fazendo uma pergunta do tipo "Por que está acontecendo 'x'?" ou "Por que eu?"
Muitas destas pessoas nem dão continuidade num centro de prática séria, e vão embora depois de uma, duas - algumas - visitas. Outras pessoas, depois de algumas sessões de meditação, sentindo algum alívio do problema imediato que as trouxeram até o zazen, já relaxam os seus questionamentos. Talvez até se tornem associadas, até venham a se considerar "praticantes". Mas a verdade é: não chegaram a fazer a pergunta essencial, não se abriram para a "Grande Dúvida" e, assim, ainda não entraram realmente no caminho espiritual.
Algumas poucas pessoas, ao passar por uma situação de dificuldade, acabam aprofundando as perguntas iniciais ("Por que eu?", "Por que está acontecendo 'x'?") para começar a questionar: "Quem sou eu?", "Qual é o significado da minha vida?", "Qual o sentido da vida e da morte?".
Estas são perguntas da "Grande Dúvida" - o início da caminhada espiritual. A tradição Rinzai Zen usa os 'koans' para provocar a Grande Dúvida. Quanto mais intensamente se vivencie a Grande Dúvida, tanto maior será a "iluminação" obtida. Acredito que, na nossa realidade de seres humanos, as nossas "iluminações" são, na verdade, "pequenas iluminações", pois a diferença entre "ter uma ou algumas experiências de iluminação" e "se tornar uma pessoa iluminada", ou "se tornar uma pessoa que manifeste plenamente a sua iluminação", é igual a diferença entre água e vinho.
Os mestres também nos ensinam que aquela pessoa que se acha "iluminada", não é. Ainda nos ensinam que a prática deve ser constante e pelo resto da vida - e próximas vidas, também.
Portanto, sempre que acreditamos que encontramos uma resposta à "Grande Dúvida", é importante que recoloquemos a pergunta e sigamos além, além da resposta atual, além da nossa compreensão deste momento, sempre além, sempre nos aprofundando mais e mais.
O grande perigo aqui está em achar que encontramos "A Resposta" e que a "Grande Dúvida" já acabou. Vamos cair numa complacência, arrogância - talvez até nos posicionando como prontos para liderar outras pessoas, mas, na realidade, estamos nos iludindo e iludindo os outros. De certa forma, a nossa caminhada espiritual foi abandonada. O nosso Zazen se tornou um zazen de conforto, um zazen de consumo. Sempre podemos encontrar mais um pedaço da resposta à "Grande Dúvida".
Mas, vamos dizer que você está com o seu questionamento "à flor da pele". Entrou no caminho espiritual e iniciou uma prática. Aí surge a questão da fé.
2. Grande Fé
O segundo elemento essencial a uma boa prática é uma "Grande Fé". Fé na prática, fé nos ensinamentos, fé no professor - um ser humano, com falhas humanas, que tem mais experiência no Caminho e algum tanto de "iluminação" manifestada. E, mais ainda, fé na sua possibilidade de poder manifestar a sua própria iluminação, de encontrar a "resposta" de sua Grande Dúvida.
Inicialmente, pode ser que parte desta fé você encontre depositando fé nos outros. Você gostou e confia no seu Professor de Dharma. Ou admira um praticante budista e confia nele. Mas os seres humanos são literalmente isto - seres humanos, sujeitos a falhas. Podem nos desiludir. Mais ainda, uma das funções dos Professores de Dharma é de "puxar o tapete" debaixo de nossos pés. Podem até nos provocar, fazendo com que manifestemos a nossa "sombra", na esperança de que possamos "iluminar" este aspecto nosso que foi trazido à luz. Nestas horas, podemos até nos sentir "traídos" pelo Professor, enquanto não estamos compreendendo o que ele está tentando nos ensinar. Portanto, temos que ir além desta fé inicial, depositada em seres humanos externos à nos mesmos. De um lado, temos que amadurecer e aprofundar a nossa fé no Professor e outros seres humanos, temperando-a com fé nos ensinamentos e no próprio Dharma - passo-por-passo.
E os ensinamentos, que foram transmitidos já durante 2.600 anos - podemos depositar fé neles? Podemos, mas isto também tem suas limitações, pois a transmissão dos ensinamentos depende da comunicação e das palavras, sempre sujeitas às mais variadas interpretações. Transcrições de diálogos entre grandes mestres e os seus alunos não nos transmitem o contexto, o cenário, todos os detalhes que fizeram com que aquelas palavras fossem as mais apropriadas para aquele aluno naquele momento.
No Zen encontramos inúmeros exemplos de professores que, num momento dizem uma coisa e, em outro momento, dizem exatamente o contrário. Será que estão mentindo? Será que são loucos? Ou será que estão simplesmente falando exatamente aquilo que é mais apropriado para aquele momento, aquele contexto, aquele aluno - para convidá-lo a tomar o próximo passo de aprendizagem? Como alunos do Zen, existem momentos que podemos nos desesperar com um professor que parece estar se contradizendo. Como é forte, nestes momentos, o sentimento de "mas você não falou 'x' antes? Por que está falando 'y' agora? Qual é a verdade, 'x' ou 'y'?"
Conheço uma mestra moderna que faz isto o tempo todo. Será que ela é louca? Não acho, não. Acho que ela está simplesmente me desafiando a mergulhar para dentro e encontrar a MINHA verdade - e desafiando outras pessoas com quem ela faz a mesma coisa a fazer o mesmo mergulho para dentro. Não é um processo fácil. Mas certamente me oferece a oportunidade de me aprofundar na fé verdadeira que preciso cultivar - a Grande Fé. Fé na minha própria Natureza Buda, fé no Universo, fé no Dharma, fé na minha prática, fé em mim mesma. Fé para atravesar a noite escura da alma - ou as noites escuras da alma. É aí que entra o terceiro pre-requisito da prática.
3. Grande Determinação
Sem a Grande Determinação, não vamos conseguir atravessar a noite escura. Se falhar a nossa determinação, vamos acabar "voltando para trás" em lugar de completar esta etapa da jornada. Não vamos chegar até o raiar do novo dia, aquele pedaço de Iluminação que seria resultado de nosso questionamento, fé e determinação.
Se a nossa determinação for fraca, vamos falhar. Se a nossa determinação depende de outras pessoas para nos apoiar, vamos falhar. Pois a noite escura da alma é exatamente isto. É um momento em que nos sentimos totalmente sós - a nossa dúvida nos consumindo, a auto-confiança cambaleada, a nossa fé no limite - só vemos escuridão e é somente a nossa determinação que nos segura no caminho. Afinal, o momento mais escuro da noite é o momento anterior ao nascer do Sol. E é a mesma coisa na jornada espiritual.
Se iniciamos a jornada com uma pequena dúvida, a noite escura vai ser "pequena" e o raiar do Sol também. Mas se o nosso primeiro passo foi baseado numa GRANDE Dúvida, a noite escura vai ser igualmente GRANDE. A crise - mistura de perigo com oportunidade - vai ser GRANDE. Para atravessar esta noite escura, vamos ter que descobrir, dentro de nós, fé da mesma grandeza e, por fim, GRANDE Determinação - talvez aquela determinação que diz: "mesmo que perca tudo, não arredo o pé daqui", "mesmo que eu tenha que morrer tentando, não desisto", "mesmo que estejam todos me chamando de louco, não saio deste caminho", "mesmo que todos os meus amigos me abandonem, não abro mão". Talvez a vida vá nos exigir uma entrega total, a "morte simbólica", morte do ego, morte para tudo que pensávamos que importava. Mas, na realidade, a vida está nos convidando a passar pela morte dos condicionamentos - nos convidando à Libertação.
No meio da noite escura da alma passamos por uma fase de ficar só enxergando as perdas, as "mortes". Talvez percamos contato com a nossa fé. Talvez nos entreguemos ao medo. Talvez não resistamos às pressões e voltemos correndo, tentando voltar à nossa zona de conforto anterior, voltar à harmonia conhecida, voltar às amizades e relacionamentos antigos que não queremos arriscar perder, buscando apoio externo na falta de nosso próprio apoio interno. Quantas e quantas pessoas fraquejam neste ponto, justo quando estão quase lá, quase vencendo esta fase da jornada. Que tristeza! É como se vendessem a alma, caissem em "tentação".
É por isto que todas as tradições espirituais falam da dificuldade da jornada. Todas as tradições espirituais têm a sua forma de descrever o processo de passar pela "noite escura da alma". Algumas tradições xamânicas ou indígenas usam "jornadas interiores" indo ao encontro da morte e renascimento simbólicos, desmembramento e "re-membramento" simbólicos, para facilitar esta passagem. A tradição budista nos fala da determinação de Buda quando ele sentou embaixo da figueira, decidido a não se levantar dali até que encontrasse a resposta, a Iluminação. Fala, em linguagem simbólica, dos ninhos que pássaros construiram em seu cabelo, das teias que as aranhas teceram, das plantinhas que cresceram entre os dedos dos seus pé - tudo para nos ajudar a imaginar uma determinação tão firme, inquebrantável, que permitisse que ficasse lá - sentado em meditação - o tempo suficiente e com a "imobilidade" - firmeza de propósito - suficiente para atingir a Iluminação.
Lembro-me de momentos de dúvida (dúvidas que pareciam bastante grandes para mim, na época), onde toda a minha fé foi posta à prova e onde parecia que a minha determinação não ia agüentar - e lembro-me dos raiares do Sol que vieram no final daquelas noites escuras da alma. Não posso dizer que eu tenha atingindo qualquer GRANDE Iluminação, mas com certeza, sinto que posso dizer que cheguei em algumas pequenas iluminações, de acordo com a minha capacidade de ter uma dúvida, de cultivar a fé e de achar dentro de mim mesma a determinação de prosseguir até a hora do Sol nascer.
Como será que isto vai acontecer? Como será o momento da virada, de uma pequena iluminação? Vai ser o seu momento, único, totalmente diferente dos meus momentos - e nem para mim um momento será igual ao outro. Só posso compartilhar que, para mim, a virada vinha muitas vezes quando eu finalmente parava de lutar contra os acontecimentos e me entregava totalmente. Sabia que a gente tem todo o direito de espernear e reclamar tudo que quiser neste universo? Só que o Dharma simplesmente vai continuar procurando nos ensinar. Então não precisa se sentir culpado por passar por uma fase de "briga com o universo" antes de chegar numa entrega! Outras vezes, a virada veio quando finalmente percebi a "comédia dos absurdos" numa situação e caí nas gargalhadas, de corpo e alma. De qualquer forma, a virada vinha quando algo dentro de mim mudou. A mudança nunca vinha de fora, só de dentro. Este que é o detalhe importante: a mudança tem que vir de dentro.
A noite passa. O novo dia nasce. A Luz retorna. Portanto, se você estiver atravessando uma noite escura da alma, não abra mão de sua fé, não vacile na sua determinação. Não tente voltar ao "conforto" ou "harmonia" ou "segurança" anterior. Se, no seu coração você sabe que está ouvindo a voz de sua Natureza Buda, prossiga firme. Mergulhe, deixe que a Grande Dúvida lhe "consuma" até os ossos, até a medula, até restar somente o grande Vazio. Estique a sua fé, mantenha a sua determinação - e atinja mais um pedaço da Iluminação. O importante é de sempre manter-se firme na busca de Sabedoria e Compaixão.
Se você está com mais Sabedoria e Compaixão, mais Paz e Tranqüilidade no "dia seguinte", saberá que atravessou a noite. Mas, se está com alguma raiva, algum mal-estar, alguma inquietação, saberá que ainda não terminou a travessia ou, pior, saberá que desistiu no meio do caminho e voltou para trás. Mesmo assim, não perca esperanças, não se critique, não se julgue. Você fez o seu melhor. Aprenda com o processo. Veja onde "falhou", onde "errou" e comece de novo. A vida sempre nos oferece novas oportunidades. Temos todo o tempo do universo para nos iluminar - kalpas e kalpas estão à nossa disposição!
Então, não tenha medo. A noite passa.
Que os méritos de nossa prática se estendam a todos os seres e que possamos todos nos tornar o Caminho Iluminado.

É POSSIVEL SAIR DA MATRIX..???

Matrix (1999), filme de ficção científica cyberpunk dirigido pelos irmãos Larry e Andy Wachowski, revolucionou o cinema pós-moderno. A temática e os efeitos especiais utilizados resultaram em quatro estatuetas do Oscar no ano de 2000 – nas categorias de melhores Efeitos Visuais, Efeitos Sonoros, Som e Montagem. No futuro, aproximadamente no ano de 2199, a humanidade tornou-se a fonte de energia elétrica de uma Inteligência Artificial (IA) denominada Matrix. Esta manteria os seres humanos confinados em casulos através de uma simulação neuro-interativa extremamente realista, ou seja, de uma realidade virtual que substituiria o mundo real. Contudo, algumas pessoas conectadas a este sistema constantemente questionavam-se: o que é a Matrix? A busca de resposta para esta pergunta inicia-se no verbete matriz. O dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) define esta palavra de origem latina (matrix) como útero, local onde algo é criado, fonte, origem. No longa-metragem a definição apresentada por Morpheus, o líder da resistência humana, é a seguinte: “A Matrix está em todo o lugar [...]. É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para que você não visse a verdade [...] que você é um escravo. [...] O que é a Matrix? Controle”. A junção destas duas explicações possibilita a caracterização da Matrix como a representação do sistema sócio-político-econômico-cultural de regras que regem a vida das pessoas, ou seja, o conjunto de metanarrativas e dispositivos de autoridade e vigilância utilizados para moldá-las e torná-las obedientes sem objeções ou questionamentos.Segundo Kechikian (1993, p. 47), metanarrativas são “discursos legitimadores do poder e do saber, que ao contrário dos mitos, não buscam o princípio da sua legitimação num ‘acto original fundador’, mas constituem-se antes em projectos escatológicos de realização histórica”. Elas também se vinculam aos discursos legitimadores e aos jogos de linguagem baseados em um “contrato explicito ou não entre os jogadores” (Lyotard, 1989, p. 29). Neste sentido, a busca pela e para a saída da Matrix envolve a transposição de obstáculos e superação de dúvidas que possibilitem a libertação do pensamento. Envolve o processo de “deslegitimação”, processo marcado pela perda da credibilidade nas grandes narrativas e pela busca de alternativas que possibilitem a alteração do cenário determinista. No princípio da trilogia Matrix, aparentemente se tem a impressão de que a proposta do roteiro é mostrar estratégias que possibilitem a quebra do sistema de dominação, que permitam ao ser humano dissipar as dúvidas para assumir uma postura crítica diante da tecnologia. Contudo, ao longo do desenrolar da trama vai se construindo um cenário apocalíptico onde os humanos, a despeito da luta e empenho, continuam subjugados pelas máquinas – sem liberdade e sem livre-arbítrio. Livre-arbítrio, aliás é a palavra-chave para a compreensão das três obras fílmicas.

Logo no início do primeiro filme é apresentado o grupo de resistência, formado por hackers de computadores. Os hackers, que costumeiramente são confundidos na sociedade com os crackers e vistos como marginais responsáveis por ações ilegais, são retratados como heróis, como aqueles que têm a responsabilidade de libertar as pessoas alienadas e dominadas. Os hackers, segundo Kleespie (2000) são aqueles que realizam feitos inimagináveis e exploram as fronteiras do ciberespaço. Em Matrix o grupo de hackers rebeldes somente em parte exerce essa função. E porque isso ocorre? Por que nesta busca desenfreada pela libertação das engrenagens do sistema tecnológico opressor eles não conseguem se desprender das “pseudoprofecias”.Estas exercem a função de profecias auto-realizadoras (self-fulfilling prophecy), conhecidas no âmbito educacional como “efeito pigmaleão” (Rosenthal; Jacobson, 1968). O efeito pigmaleão postula que os professores (de forma consciente ou não) criam expectativas positivas ou negativas em relação aos estudantes. Posteriormente as profecias auto-realizadoras enunciadas concretizam-se devido à aceitação e interiorização (mesmo que involuntária) do estereótipo por parte dos alunos. Ou seja, se um docente disser “você tem dificuldade em matemática e não conseguirá realizar a tarefa” está, indiretamente, induzindo o aprendiz a interiorizar esse conceito (imagem refletida) e consequentemente ao fracasso da atividade. A interligação de diversas “pseudoprofecias” complementares – presentes tanto em micro quanto em macroestruturas – pode resultar na instituição de uma metanarrativa profética. Em Matrix, todas as conjecturas futuras apresentadas pela Oráculo aos hackers da resistência formam um encadeamento de acontecimentos. Morpheus é aquele que encontrará o Escolhido. Trinity é aquela que se apaixonará pelo Escolhido. E Neo? Neo é o suposto salvador da raça humana que sai somente com uma certeza de sua conversa com a Oráculo: terá que escolher entre sua própria vida e a de Morpheus. Este mecanismo de atribuição de unidade utilizado somente surtiu efeito porque nenhum dos personagens questiona a autoridade da profetiza. “Profecia e presciência – como podem elas ser colocadas em teste diante de questões sem resposta? Considere: o quanto é verdadeira previsão [...] e o quanto é resultado do trabalho do profeta, moldando o futuro para se adequar à profecia?” (Herbert, 1987, p. 354). Neste sentido, Matrix apresenta apenas a concretização de uma virtualidade: realização de uma possibilidade já existente (Lévy, 1996). O processo de libertação, por outro lado, requer uma atualização – a criação de uma solução diferente para a problemática – um processo dinâmico que constitui “o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer” (Op. Cit. p. 16). Mas, para que haja atualização é preciso que exista a possibilidade de escolha. A escolha é um elemento de foi deletado da Matrix. Ou seja, enquanto a trama se desenrola os espectadores compreendem que também foram manipulados. Nos filmes subseqüentes (Matrix Reloaded e Matrix Revolutions) as ações empreendidas culminaram na atualização e no novo estado de estabilidade do sistema. A suposta “vitória” da Matrix constituiu de fato um jogo de peças orquestradas. A compreensão deste fato envolve duas proposições: Neo é um programa que assumiu a representação de avatar humano; Zion constitui um segundo nível de simulação – o simulacro do simulacro.
Para discutir a primeira conjectura pode-se seguir o caminho inverso e questionar: o que sustentaria a humanidade de Neo? O amor? Defende-se aqui que ele sendo um programa agente de IA avançado poderia ter sido programado pelo Arquiteto para acreditar na própria humanidade e, sem seu próprio conhecimento, colaborar para a manutenção do sistema e controle dos humanos. Neste sentido, ele também poderia ser tecnologicamente avançado, possuindo recursos que possibilitassem sua melhor e mais convincente interação com os humanos. Essa situação é análoga à apresentada no filme “O impostor” (baseado num conto de Phililp K. Dick), onde o ator Gary Sínese acredita ser humano, mas na verdade é um clone-bomba feito por alienígenas em guerra com os seres humanos. Assim sendo, no terceiro filme (Matrix Revolutions) quando Neo retorna à Fonte, está se conectando para atualizar o sistema e tornar a Matrix mais eficaz para gerenciar os humanos. Esta hipótese é sustentada pela conversa com o Arquiteto em Matrix Reloaded onde este diz a função de Neo é “retornar à fonte, permitindo uma temporária disseminação do código que você carrega, reinserindo o programa principal”, ou seja, conter o crescimento da instabilidade do sistema.Na mesma conversa o Arquiteto conta que a Oráculo – programa intuitivo desenvolvido para analisar a psique humana – concluiu que 99,9% das pessoas tinham a necessidade de acreditar na possibilidade de escolha de saída da Matrix para aceitar a existência virtual. Mas qual seria o destino do restante das pessoas? Seriam eles os habitantes de Zion? Partindo desta linha de raciocínio, pode-se conjecturar que o suposto “mundo real” de Zion constitui uma segunda camada de virtualidade. Esta funcionaria como uma espécie de firewall (“parede corta fogo”) e possibilitaria a proteção da Matrix. Um evento que sustenta esta hipótese é a capacidade de Neo de manipular as sentinelas no suposto mundo real. Todavia, quando se atinge a cifra de 1% de pessoas que não aceita a Matrix, ou seja, quando estas se encontram fora do sistema principal, é necessário destruir o segundo nível (Zion) para eliminar as anomalias sistêmicas e criar uma nova versão para abrigar as pessoas que não suportem a Matrix. No desfecho da trilogia, contudo, Zion não foi totalmente destruída, o que poderia significar uma “vitória parcial” dos humanos ou a constatação de que a humanidade encontra-se numa época limítrofe pois,"À medida que os seres humanos se confundem cada vez mais com a tecnologia e uns com os outros através da tecnologia, as velhas distinções entre o que é especificamente humano e o que é especificamente tecnológico tornam-se mais complexas. Estaremos a viver uma vida no ecrã ou dentro do ecrã? As novas relações tecnologicamente entretecidas obrigamos a perguntar até que ponto não nos tornámos já cyborgs, misturas transgressivas de biologia, tecnologia e código de computador. A distância tradicional entre a pessoa e a máquina é cada vez mais difícil de manter.[...]"Aprendemos a aceitar as coisas tal como elas se apresentam na interface do computador. Estamos a enveredar por uma cultura da simulação na qual as pessoas sentem cada vez menos pruridos em substituir o real por representações da realidade" (Turkle, 1997, p. 30-33).Portanto, mesmo neste sentido o filme é escatológico e não deixa margem para a saída da Matrix. Isso ocorre devido à efetividade da utilização de profecias auto-realizadoras e da utilização deste segundo nível de simulação neuro-interativa para controle. A trilogia, por apresentar o “simulacro do simulacro” não esclarece a real forma como os humanos foram escravizados, nem quais as características deste tipo de escravidão ou mesmo de que maneira a humanidade é utilizada pela IA. Afinal de contas, na Matrix tudo é uma ilusão: a liberdade é uma ilusão, o livre-arbítrio é uma ilusão. Do ponto de vista da sociedade contemporânea, por outro lado, conclui-se que uma opção possível é a criação do que Hakim Bey (2001, p. 17) denomina de TAZ – Zona Autônoma Temporária: “uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la”. Através da instituição de zonas autônomas temporárias, que escapam da “cartografia de controle”, pode-se colaborar para a construção de um futuro que vislumbre outros horizontes e onde as pessoas possam continuar a se questionar sobre os papéis das regras e ideologias existentes – “Free your mind”.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

COMODISMO

Por que as pessoas se acostumam com o que não lhes faz bem? Acho a capacidade do ser humano se adaptar às adversidades fantástica, mas muito mal utilizada. Se você perguntar a um nativo da Islândia se ele é feliz, muito provavelmente vai dizer que sim, e que ama sua terra onde só tem gelo e ventos que queimam o rosto. Isso não é exatamente adaptação. Ele simplesmente nasceu ali e lhe falta parâmetros. Mas ,esse mesmo habitante pode ter ace$$o a outros países, como as Bahamas, e ainda assim preferir seu lugar gelado. Chega a ser irracional pra quem vê de fora, mas isso é costume, apego, afeição. Somente na mente daquela pessoa é que vamos encontrar os verdadeiros motivos que o mantém preso àquilo, porque na fria lógica não há a menor sustentação. Foi ali onde ele deu os primeiros passos, o primeiro beijo, onde há a lembrança de seus ancestrais, sua cultura, etc. É um apego sentimental.
Isso acontece muito em relacionamentos. Muitas vezes continuamos nos desgastando com nosso parceiro(a) e todos ao seu redor dizem "sai dessa, isso é loucura" e de fato toda a lógica aponta para o rompimento daquilo que só faz mal a eles e até mesmo aos que estão a seu redor. Mas, ainda assim, o vínculo permanece, todo construído a partir de sentimentos. Afinal, somos mesmo seres racionais? Fazemos julgamentos o tempo todo (isso é bom, aquilo é feio, aquilo é melhor, mais alto, mais baixo, etc.) só que não são baseados em coisas absolutas, que sirvam para todo ser humano. Nosso julgamento passa obrigatoriamente por nossos valores, sentimentos, experiências, enfim, pela nossa alma. Uma criança pode caminhar pra boca de um Leão que aparentemente era ameaçador pra todo e qualquer ser humano (não necessitando um conhecimento prévio de que aquele bicho vai lhe fazer mal). Mas, sabe-se lá que associação aquela mente fez? Não é exatamente o que acontece com o álcool e o fumo?
A Islândia foi um exemplo extremo. Mas podemos usar o mesmo raciocínio aqui no Brasil. Vivemos num país abençoado por Deus, com uma natureza exuberante, mas no meio de uma população de canibais. Um país de corda de caranguejos, todos se agarrando pra evitar que escapem da panela. É canibalismo no ambiente de trabalho, nas relações sociais, na violência desmedida nas ruas, na fome que assola uma parte gigantesca da população, enquanto uma minoria aumenta seus salários, etc. E vamos nos adaptando a isso com resignação, com o bom-humor característico do brasileiro, comprando a "carteira do ladrão", achando natural que possamos estar mortos ao sair pra comprar pão, e que nossos "bem-nascidos" possam e devam andar com escolta e ter polícia na porta de casa, enquanto a maioria da população não tem. Tudo porque nos acostumamos a isso, através da aceitação do mal ao meu vizinho, através das repetidas notícias de violência na imprensa, e através de um comodismo que aceita absurdos dos menores aos maiores. Novas gerações simplesmente nascem acostumadas a esse mundo louco, e o tempo dos nossos bisavós, onde se "amarrava cachorro com linguiça", torna-se apenas uma lenda distante, como uma Shangrilá.
Mas esse ainda não é o ponto onde quero chegar, que é algo que transcende as notícias de jornal e mesmo o nosso planeta. É sabido que existem pessoas que se acostumam a viver de esmola. Normalmente pensa-se que é o efeito da falta de emprego, da especialização, e tal. Mas tivemos exemplos dramáticos no Nordeste por conta do bolsa-escola, onde famílias que OUTRORA trabalhavam ficaram de braços cruzados por acostumar-se a uma mixaria que o governos lhes dá. E ainda procuram botar mais filhos no mundo pra "aumentar a renda". Isso é um fato, distante pra maoria (que pode dizer o clássico "o que eu tenho a ver com isso?). O que quero alertar, dentro do espírito do Saindo da Matrix, é que, E SE nos acostumamos de tal forma ao planeta Terra que deixamos nosso verdadeiro lar, nosso "paraíso" e nossos sonhos e potencialidades pra trás, justamente por nos acostumar-mos a uma "esmola" fácil e duradoura? Acostumados a um lugar onde o amor é uma coisa contraditória, hora animalesca e regida por instintos, ora Divina e transcedental? E SE hoje usamos uma couraça que limita nossos movimentos, mas que por outro lado é "fácil de usar" e nivela todos por baixo, e nos acostumamos com isso a ponto de esquecer nosso verdadeiro "corpo"? E SE fizemos como os norte-americanos pós-11 de setembro, um povo altamente endividado com as ações do passado e que termina por ter de abdicar de sua liberdade em favor de um ditador que "cuide" deles? E o pior, E SE ainda cultuássemos essa entidade protetora como um DEUS?

MÚSICAS EXÓTICAS

Navegando pelo Nebulosa Bar me deparei com um post diferente, onde o dono reclamava que nunca mais tinha ouvido uma música DIFERENTE. Até que descobriu o Diablo Swing Orchestra. Como eu também gosto de músicas exóticas (e bonitas) também baixei, e não me decepcionei. Pensei que ia encontrar mais um Nightwish da vida, misturando Heavy Metal com Ópera, mas os caras vão além. Recomendo.
Diablo Swing Orchestra - Pink Noise Waltz
Diablo Swing Orchestra - Velvet Embracer
A música a seguir é do documentário Baraka. Foi feita pelo "The Brother Project", usando sons dos monges do Tibet, acrescentada de gaitas escocesas, alguns tambores e re-editada. É completamente hipnotizante, ainda mais com os sons de baixa frequência das trompas tibetanas, que são fascinantes e assustadores (creio que foram a base dos sons dos Tripods alienígenas no filme "Guerra dos mundos", de Spielberg):
The Monks of the Dip Tse Chok Ling Monastary (The Brother Project) - A prayer of Kala Rupa / An Daorach Bheag
Também do documentário Baraka, esta música seguindo o estilo pampeano:
Gonzalo Vargas - Wipala
Ainda prestigiando nossos hermanos da América Latina, vamos a algumas preciosidades:
Tarancon - Boquita de cereza (No estilo Taquirari, essa música eu gosto desde pequeno, sempre a repetindo no LP da minha mãe)
Sabe o Elvis, quando começou a cantar? A voz mágica dele ficou ainda mais mágica com a acústica do estúdio da Sun, acompanhado apenas de um violão e baixo. Senti a mesma magia quando ouvi Violeta Parra nesta música:
Violeta Parra - Run Run se fue pa'l norte
Letra de Simon and Garfunkel para a música de mesmo nome, composta pelo peruano Daniel Alomía Robles para uma peça de teatro (homônima, por sinal). Não é uma música tão desconhecida como as outras, mas anda meio esquecidinha:
Simon and Garfunkel - El Condor Pasa
As músicas a seguir estão, junto com outras selecionadas, neste momento viajando bem longe do nosso sistema solar, num disco de ouro à bordo da sonda Voyager (da NASA). Carl Sagan liderou um comitê que selecionou várias músicas representativas da raça humana (e baleias cantando, também). Se alguma civilização alienígena encontrar a sonda, e puder reproduzir o áudio no disco, vai ter uma idéia do tipo de som que nossos antepassados faziam (e talvez até lembrar-se de onde vem, pois tais civilizações podem muito bem já terem andado por aqui no passado remoto, se formos levar as lendas dos mais diversos países em consideração, inclusive dos índios brasileiros). As músicas da Voyager estão no CD "Murmurs of Earth: The Voyager Interstellar Record":
Valya Balkanska - Iziel je Delyo Hagdutin
Chant from Georgia - Tchakrulo (fantasmagórico!)
Música tirada do game "Shogun Total War". Ela é bem melódica, curta e digerível, ao contrário da música tradicional japonesa (que soa meio "quebrada" aos ouvidos ocidentais). Possui elementos de cantos Zen budistas (os sons graves no começo) e depois vai pra o estilo mais conhecido, com o Biwa e a flautinha. Ótima introdução ao mundo da música tradicional japonesa (recomendo também as músicas do game Samurai Spirits II, em especial a de Genjuro Kibagami):
Shogun Total War - Battle
Pra encerrar em grande estilo, uma descontraída contribuição aos seus alfarrábios musicais. Esta música eu ouvi apenas uma vez quando eu tinha uns 6 ou 8 anos e nunca mais a esqueci. De vez em quando a melodia me voltava à cabeça, junto com o refrão, e eu a procurava sem sucesso no Google, até este ano. Foi um dos primeiros bregapops a fazer sucesso do nordeste, vindo de lá do Pará. A linha do sintetizador continua maravilhosa (e melancólica) até hoje, e o baixo é bem criativo.
Os Karetas - Vento Norte

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

OBAMA E JESUS CRISTO

Ahh, os EUA... grande vitrine do consumismo para o mundo, grande espelho para os demais países. Isso pode ser bom em muitos aspectos, e ruim em vários outros, mas é inegável. Ontem o mundo estava de olho na posse do presidente Barack Hussein Obama, e creio que muitos, como eu, salivaram por ter em seu país alguém como ele, que dê orgulho, alguém que seja um líder, um exemplo para crianças e adultos (e não alguém que diz que não lê NADA e pega todas as suas informações de segunda mão).
Obama pode até ter uma hidden agenda, como insiste Olavo de Carvalho (é estranho mesmo a falta de escrutínio da imprensa e sua ascenção meteórica ao poder), mas não é sobre isso que estou tratando aqui, e sim a mensagem exterior, a imagem, que pode não ser tão relevante para a economia, condução política, evitar guerras, mas é importante para inspirar pessoas. Com a posse de Obama, inaugurou-se uma nova homepage para a Casa Branca:
Isso definitivamente me chamou a atenção. Uma coisa é um candidato criar um factóide abraçando crianças, "consertando" escolas, se misturando com pobres (isso já vemos em todas as eleições). Outra é, depois de eleito, manter o vínculo com o popular, continuando a fazer visitas e discursar falando aquilo que o povo quer ouvir (isso já vemos em Lula, que mantém assim sua popularidade e base eleitoreira pro partido). Agora, insistir depois de eleito que a presidência é um SERVIÇO PÚBLICO, vindo da maior, mais temível e arrogante estrutura de poder montada desde o fim da URSS, essa é a primeira vez. Esse conceito pode ser velho na Europa (França, por exemplo), mas é totalmente novo nas américas. Gostei.
Mas ainda não foi por isso que resolvi escrever. Clicando na imagem, vi um artigo que aproveitava o "Dia Nacional do Serviço" (dia 19 de janeiro, que acabou conhecido como o "Dia de Martin Luther King") pra incentivar as pessoas a doar seu tempo e esforço em prol dos necessitados (no caso, necessitados dos EUA). E toda a família do presidente deu o exemplo, participando também. Todo esse esforço em memória de Martin Luther King. Legal, legal... os EUA adoram ter seus próprios heróis, já que deve ser muito complexo pra cabeça deles lembrar de alguém que viva fora do mundo civilizado (The United States of the America/World), mas lembrei que boa parte do mundo ocidental tem um exemplo muito vivo, muito presente em palavras, que poderia ser usado pra lembrar do serviço ao próximo, que é JESUS. Sim, aquele Jesus mitológico, já diluído no inconsciente coletivo, que cumpre bem seu papel de nos lembrar do "amar ao próximo" melhor do que pessoas "reais" (a quem, pela proximidade, nós temos a tendência de subestimar, botar defeitos, desprezar), como Madre Tereza, Irmã Dulce, Chico Xavier e muitos outros que, assim como os milhares de anônimos que praticam a caridade, carecem de serem lembrados pelas futuras gerações.
Mas devemos lembrar que não é papel do PRESIDENTE Obama lembrar de Jesus no site da Casa Branca ou em seu discurso para o POVO. Afinal, como ele disse e reiterou no discurso de posse, esse um governo para todos, e os EUA são um pequeno mundo em si mesmo. Esse papel cabe às intituições religiosas, que são muitas, no mundo todo. E que ganham muito dinheiro pra isso. E uma em particular, com sua influência, poderia dar tanta visibilidade a essa mensagem como Obama fez com Luther King, também usando sua figura de Chefe de Estado para SERVIR, nem que seja por um dia. Quem não iria querer botar na capa do jornal o Papa arregaçando as mangas pra pintar uma parede de escola sem suas indumentárias?? É um factóide, não deixa de ser, metade do mundo iria criticar que é um ato demagógico, mas iria ficar eternizado como um GESTO de solidariedade, que influenciaria milhares ou bilhões de pessoas pelo globo, o que é muito mais efetivo do que vender todas as riquezas do Vaticano e doar pros pobres (um benefício pontual, temporário e ineficaz). O Papa João Paulo II, ao doar seu anel papal - cujo valor é mais histórico do que monetário - para o pároco da favela do Vidigal, não acabou com a pobreza no lugar, assim como Jesus não acabou com os famintos da palestina entupindo eles de pão, mas o gesto de ambos permaneceu como mito, granjeando respeito e inspirando pessoas.
Uma pena que as Igrejas gastem tanto Verbo e mídia pra valorizar o dízimo, para serem SERVIDAS, mais do que pra SERVIR. Definitivamente não ajudam a manter vivas as palavras de Jesus, que não tinha nenhuma propriedade onde reclinar a cabeça, mas ainda assim SERVIA. Periga que, devido à incompetência das Igrejas na gestão do verdadeiro legado de Jesus, e ao modismo que os EUA lança no mundo todo, Luther King se torne o símbolo mundial que Jesus devia ser.