quinta-feira, 7 de julho de 2011

..sobre tolices importantes....

Ainda posso me lembrar de um tempo onde qualquer hora do dia era fim de tarde com cheiro de café e bolo de fubá fresquinho.
Tudo girava em torno de coisas tolas tão importantes! Já se perguntou alguma vez o que estamos fazendo com nossas vidas? Eu disse NOSSAS vidas!
Parece que esquecemos de sentir, cheirar, parar para olhar, parar para viver algo e se surpreender. Nada disso acontece mais de forma natural.
E por que não nos surpreendemos, nem sentimos, nem vivemos, nem cheiramos?
Por que esperamos demais, acomodados em expectativas que já vem enlatadas e totalmente fabricadas, com os conservantes da mais pura esquizofrenia social;
Presos à valores ridículos e insanos, que nem temos tempo de repensar, pois não se pode enxergar azul num mundo só de amarelo.
Vivemos no piloto automático sempre, fazendo só "o que deve ser feito", o que dá orgulho à sua família ou ao seu ciclo social ridículo e limitado, só para satisfazer essas expectativas pré-fabricadas e prontas para o consumo.
Nesse ponto já se esquece que nosso coração também tem voz, que podemos abandonar o caminho trilhado à qualquer momento, sem dever nada a ninguém e sem ater ao orgulho, que é um valor que destrói muitas almas.
Como disse a poetisa: "Lúcidos? São poucos"
Céus! Vejam quantos sonâmbulos andam nas calçadas; quantos mortos vivos dirigem seus veículos do ano;
Veja, veja com horror as pessoas de terno que correm apressadas pelas ruas, como quem corre num pesadelo, sem saber do que!
Conseguiram industrializar até a vida.
Já é tempo de ser lúcido. Não se submeta, acorde!

sexta-feira, 1 de julho de 2011

ADIOS FIOS

Por Elton Werb
Fonte: Jornal Diário Catarinense, 26/06/2007


Certa vez, quando visitava a casa dos avós, o filho do físico Marin Soljacic, então com três anos, pegou pelo gancho um aparelho telefônico com 20 anos de uso e perguntou:
- Pai, por que esse telefone está preso com uma corda à parede?
Confrontado com a mente de uma criança que está crescendo num mundo sem fios, a única coisa que Soljacic conseguiu responder ao filho foi:
- Que coisa estranha, não?
Nos últimos anos, dispositivos eletrônicos portáteis como laptops, telefones celulares e tocadores de MP3 e tecnologias como Wi-Fi e Bluetooth começaram a libertar a humanidade do uso de fios para a transmissão de informações.
No início de junho, à frente de um grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Soljacic deu um passo em direção ao dia em que seu neto não reconhecerá um cabo de luz. A equipe do MIT acendeu uma lâmpada de 60 watts transportando a eletricidade por uma distância de mais de dois metros sem a utilização de fios. A experiência abre caminho para um futuro em que será possível enviar energia para dispositivos eletrônicos sem a necessidade de plugá-los à rede elétrica.
Métodos de transmissão sem fio são conhecidos há séculos. Talvez o mais famoso seja a radiação eletromagnética, que inclui as ondas de rádio. Mas não serve para transmitir eletricidade, já que as ondas se espalham em todas as direções, dispersando-se no espaço. A solução encontrada pela equipe de Soljacic foi a ressonância magneticamente acoplada. Baseia-se no fato de que dois objetos com a mesma freqüência de ressonância tendem a trocar energia de forma eficiente sem afetar os demais objetos em volta, que vibram em outras freqüências.
Para entender o princípio, imagine um quarto com cem copos de vinho idênticos, cada um cheio em um nível diferente, de modo que suas freqüências de ressonância sejam diferentes. Se uma cantora de ópera entoasse na sala uma única nota suficientemente alta, o copo correspondente à freqüência daquela nota poderia acumular energia e até explodir, enquanto os outros copos não seriam influenciados.
Os cientistas do MIT conseguiram identificar um ponto no qual os dois ressonadores ficam acoplados, mesmo quando separados por vários metros. Para testar a teoria, criaram um equipamento que chamaram de Witricity, acrônimo das palavras inglesas wireless (sem fio) e electricity (eletricidade). O aparelho consiste de duas bobinas de cobre, uma delas ligada a uma fonte de energia. Essa unidade transmissora preenche o espaço ao redor com um campo magnético não-radioativo oscilando a uma freqüência de alguns megahertz. O campo não-radioativo atua como meio para levar a energia até a outra bobina, projetada especialmente para ressonar na freqüência desse campo. A natureza ressonante do sistema garante que haja sempre uma forte interação entre as bobinas transmissora e receptora, evitando interrupções na transmissão da energia.
Ao acender a lâmpada, os pesquisadores demonstraram ser totalmente possível, por exemplo, a transmissão de energia em uma sala para abastecer computadores portáteis. E não apenas para recarregar suas baterias, mas para fazê-los funcionar como se estivessem ligados à rede elétrica. Quantidades de energia mais do que suficientes para alimentar um aparelho elétrico poderiam ser transmitidas através de um quarto, em todas as direções e de modo eficiente, independentemente da geometria do espaço em volta e de outros objetos que estejam no caminho entre o transmissor e o receptor. Isso significa que uma única fonte de energia seria suficiente para abastecer uma casa inteira.
Portanto, não será surpresa para Marin Soljacic se daqui a alguns anos seu neto vier visitá-lo e, diante de um velho televisor de 2007, perguntar:
- Vô, por que esta TV está presa com uma corda à parede?
________
    Tesla Roadster: Meu sonho de consumo ecológico
Pois bem. O que esse texto está fazendo no Saindo da Matrix? Além de gostar de informática, também aprecio teorias da conspiração, e uma muito boa é a de que o físico Nikola Tesla já fazia mais ou menos isso no fim de 1898. Existe varios artigos sobre Tesla na internet e recentemente saiu um livro sobre as invenções dele em português (As fantásticas invenções de Nikola Tesla). Diz-se que ele conseguiu desenvolver uma antena que captava energia elétrica pelo ar. O que Tesla pretendia não era, simplesmente, tornar acessível a todos o uso da energia elétrica. Sua capacidade de visão o levou a lutar por um ideal ainda mais abrangente: a transmissão de energia elétrica sem fios mediante um sistema que permitiria distribuí-la pelo mundo inteiro, fazendo com que ela passasse a ser propriedade da humanidade. E ele não estava falando isso da boca pra fora. O cara simplesmente poderia ter sido o homem mais rico de sua época por conta da invenção da corrente alternada (isso mesmo, isso que todos nós usamos em casa) mas ele rasgou o contrato com a Westinghouse em um gesto de camaradagem, enquanto ela implementava (ainda com riscos financeiros) a tecnologia. Uma maciça campanha contra Tesla foi feita por Thomas Edison (o pai da lâmpada) e Marconi (um dos pais do rádio, ao lado de Padre Landell) e o relegaram à obscuridade. Óbvio que interesses financeiros paralisaram seus projetos, da mesma forma que paralisam até hoje o desenvolvimento do carro elétrico. Mas, para além da conspiração, ainda há outro motivo para o texto: a ressonância, assunto muito debatido aqui. Ela é aplicada na música, na física quântica, e, agora, na tecnologia. Por que então há uma relutância dos não-esotéricos em aceitar que há sim uma sintonia entre mentes, entre pessoas e animais "irracionais", e até mesmo plantas? Por que relegar o assunto para ser tratado de forma séria apenas no obscurantismo da parapsicologia e seus Quevedos, que do alto de seus egos ditam o que é verdade ou mentira no mundo do desconhecido?
Os milagres não acontecem em contradição com a natureza, mas só em contradição com o que sabemos da natureza
(Provérbio Chinês)
Estamos engatinhando no aprendizado do mundo que nos cerca. Quanto mais sabemos, mais vemos que aquilo que chamávamos de "magia" ou "impossível" há 10, 100, 200 anos atrás, hoje é TECNOLOGIA. Manipulação dos elementos, como os alquimistas faziam há mais de 1.000 anos, ou como um tal de Jesus curava "milagrosamente" as pessoas.

FABULAS SUFIS

"O homem comum se arrepende dos seus pecados; o eleito se arrepende da insensatez deles"
(Dh'l-Nun Misri)
A maioria das fábulas contém pelo menos alguma verdade, e elas, não raro, facultam às pessoas a absorção de idéias que os modelos comuns do seu pensamento as impediriam de digerir. As fábulas, portanto, têm sido usadas pelos mestres sufistas a fim de apresentar uma imagem da vida mais em harmonia com os seus sentimentos do que seria possível por meio de exercícios intelectuais. Aqui está uma fábula sufista a respeito da situação humana, sumariada e adaptada adequadamente, como sempre deve acontecer, ao tempo em que é apresentada. As fábulas comuns de "entretenimento" são consideradas pelos autores sufistas uma forma de arte degenerada ou inferior.
Era uma vez uma comunidade ideal que vivia numa região muito distante. Seus membros não tinham temores como os que hoje conhecemos. Em lugar da incerteza e da vacilação, tinham determinação e meios mais completos de se expressar. Embora não houvesse nenhuma das tensões e pressões que a humanidade considera hoje essenciais ao seu progresso, suas vidas eram mais ricas, porque outros elementos, melhores, substituíam essas coisas. Seu modo de existência, por sua vez, era ligeiramente diferente. Poderíamos quase dizer que nossas percepções atuais são uma versão crua, provisória, das percepções reais que possuía a comunidade. Suas vidas eram reais, e não semi-vidas. Podemos chamar-lhes o povo de Xirtam.
Eles tinham um líder, que descobriu que o seu país se tornaria inabitável por um período, digamos, de vinte mil anos. Em vista disso, planejou-lhes a fuga, compreendendo que seus descendentes só conseguiriam voltar para casa depois de inúmeras tentativas. Encontrou para eles um lugar de refúgio, uma ilha cujas características se pareciam ligeiramente com as de sua terra natal. Por causa da diferença de clima e situação, os imigrantes tiveram de sofrer uma transformação, que os tornou, física e mentalmente, mais adaptados às novas circunstâncias; percepções grosseiras, por exemplo, substituíram as percepções mais finas, como quando as mãos do trabalhador manual se tornam mais calosas em resposta às necessidades do seu ofício. Com a intenção de reduzir a dor que traria uma comparação entre o estado antigo e o novo, eles foram induzidos a esquecer quase inteiramente o passado. Só ficou dele a lembrança mais vaga, embora suficiente para ser redespertada quando chegasse a ocasião. O sistema era muito complicado, mas bem ordenado. Os órgãos através dos quais o povo sobreviveu na ilha foram também transformados em órgãos de prazer, físico e mental. Os órgãos que eram construtivos em sua velha terra natal foram colocados numa espécie de inatividade provisória e ligados à lembrança vaga, preparados para sua posterior ativação.
Lenta e penosamente, os imigrantes se instalaram, ajustando-se às condições locais. Os recursos da ilha eram tais que, unidos ao esforço e a certa forma de orientação, permitiriam ao povo fugir para outra ilha, no caminho de volta ao lar original. Essa foi a primeira de uma sucessão de ilhas em que se verificou a gradativa aclimatação. A responsabilidade da "evolução" coube aos indivíduos capazes de arcar com ela. Eram, por força, apenas uns poucos porque, para a massa do povo, o esforço de manter as duas séries de conhecimentos em suas consciências revelava-se virtualmente impossível. Uma delas parecia conflitar com a outra. Certos especialistas guardavam a "ciência especial". Esse "segredo", o método de levar a efeito a transição, era nada mais nada menos do que o conhecimento das habilidades marítimas e sua aplicação. A fuga exigia um instrutor, matérias-primas, gente, esforço e compreensão. Havendo tudo isso, o povo poderia aprender a nadar e também a construir navios. A gente originalmente encarregada das operações de fuga esclareceu a todos que se fazia necessário certo preparo antes que alguém pudesse aprender a nadar ou até participar da construção de um navio.
Durante algum tempo, o processo prosseguiu satisfatoriamente. Nisso, um homem considerado, na ocasião, carecedor das qualidades necessárias rebelou-se contra essa ordem e conseguiu desenvolver uma idéia magistral: Observara que o esforço para fugir colocara um fardo pesado e, não raro, aparentemente aborrecido sobre o povo, que se mostrava, ao mesmo tempo, disposto a acreditar nas coisas que lhe contavam sobre a operação de fuga. O homem compreendeu que poderia adquirir poder e também vingar-se dos que o haviam menosprezado pela simples exploração das duas séries de fatos. Oferecer-se-ia, simplesmente, para tirar-lhes o fardo das costas, afirmando não haver fardo. E fez esta declaração: "O homem não precisa integrar a mente e treiná-la da maneira descrita a vocês. A mente humana já é uma coisa estável, contínua e consistente. Disseram-lhes que vocês precisavam tornar-se artífices para construir um navio. Pois eu lhes digo que não precisam ser artífices - não precisam de navio algum! Um ilhéu tem apenas de observar umas poucas regras simples para sobreviver e permanecer integrado na sociedade. Pelo exercício do bom senso, inato a todos, pode alcançar qualquer coisa nesta ilha, nosso lar, propriedade e herança comuns a todos!"
Tendo provocado grande interesse no seio do povo, o tagarela, em seguida, "provou" sua mensagem, dizendo: "Se houver alguma realidade em navios e em nadar, mostrem-nos navios que fizeram a viagem e nadadores que voltaram!" Era um desafio aos instrutores, que não o podiam enfrentar. Baseava-se numa suposição cujo sofisma não poderia ser detectado pelo rebanho bestificado. A verdade é que nunca tinham voltado navios da outra terra. E os nadadores, quando regressavam, eram submetidos a uma nova adaptação que os tornava invisíveis à multidão. O populacho instou para que lhe fornecessem uma prova demonstrativa. "A construção de navios", disseram os encarregados da ruga, numa tentativa de argumentar com os revoltosos, "é uma arte e um ofício. O aprendizado e o exercício dessa ciência dependem de técnicas especiais, as quais, juntas, formam uma atividade total, que não pode ser examinada por partes, como vocês estão querendo. Essa atividade contém um elemento impalpável, chamado baraka, do qual deriva a palavra 'barco' - navio. A palavra significa 'a sutileza' e não lhes pode ser mostrada." "Arte, ofício, total, baraka, tolices!", berraram os revolucionários. E enforcaram quantos artífices empenhados na construção de navios puderam encontrar. O novo evangelho foi acolhido com entusiasmo por todos os lados como um evangelho de libertação. O homem descobrira que já estava maduro! Tinha a impressão, pelo menos naquele momento, de que fora desonerado da responsabilidade. A maioria das outras maneiras de pensar foi logo absorvida pela singeleza e pelo conforto do conceito revolucionário, que passou a ser considerado um fato básico, jamais contestado por nenhuma pessoa racional. Por racional, é claro, subentendia-se qualquer pessoa que se ajustasse à teoria geral em que se baseava agora a sociedade. As idéias que se opunham aos novos conceitos foram facilmente denominadas irracionais. Todo irracional era ruim. Daí por diante, ainda que tivesse dúvidas, o indivíduo tinha de suprimi-las eu afastá-las, porque precisava ser tido por racional a todo o custo. Não era muito difícil ser racional. Bastava à pessoa aderir aos valores da sociedade. Além disso, abundavam as provas da verdade da racionalidade - contanto que as pessoas não se pusessem a pensar além da vida na ilha.
A sociedade, agora, temporariamente equilibrada no interior da ilha, parecia proporcionar uma inteireza plausível, pelo menos vista através de si mesma. Fundada na razão acrescida da emoção, fazia que ambas parecessem plausíveis. Permitia-se, por exemplo, o canibalismo com base em argumentos racionais. Descobriu-se que o corpo humano é comestível. A comestibilidade é uma característica do alimento. Por conseguinte, o corpo humano era alimento. Com a intenção de compensar as deficiências desse raciocínio, foi utilizado um artifício. Controlou-se o canibalismo no interesse da sociedade. O meio-termo era a marca registrada do equilíbrio temporário. De quando em quando alguém assinalava um novo meio-termo, e a luta entre a razão, a ambição e a comunidade produzia alguma nova norma social.
Uma vez que as habilidades necessárias à construção de navios não tinham nenhuma aplicação óbvia dentro da sociedade, o esforço poderia facilmente ser considerado absurdo. Os barcos eram dispensáveis - não havia para onde ir. As conseqüências de certas suposições podem ser levadas a "provar" as ditas suposições. É a isso que se dá o nome de pseudocerteza, a substituta da certeza verdadeira. É com isso que lidamos todos os dias, ao supor que viveremos outro dia. Mas os nossos ilhéus aplicavam-na a tudo. Dois verbetes da grande Enciclopédia universal da ilha mostram-nos como funcionava o processo:
NAVIO: Desagradável. Veículo imaginário em que impostores e enganadores asseveraram ser possível "transpor a água", o que hoje está cientificamente provado que é um absurdo. Não se conhece na ilha nenhum material impermeável à água com o qual se pudesse construir um "navio" nessas condições, sem falar na questão de saber se existe ou não uma destinação além da ilha. A MANIA DA CONSTRUÇÃO DE NAVIOS, forma extrema de escapismo mental, é um sintoma de desajuste. Todos os cidadãos se encontram na obrigação constitucional de notificar as autoridades sanitárias se acaso suspeitarem da existência dessa trágica condição em qualquer indivíduo. Veja: Natação; Aberrações mentais; Crime {Capital). Leituras: Por que os "navios" não podem ser construídos, de Smith, J., Monografia da Universidade da Ilha, número 1151.
NATAÇÃO: Repugnante. Suposto método de propelir o corpo através da água sem se afogar, geralmente com o propósito de "alcançar um lugar fora da ilha". O "estudante" dessa arte repugnante tinha de submeter-se a um ritual grotesco. Na primeira lição, tinha de deitar-se no chão e mover os braços e as pernas em resposta às instruções do "instrutor. Todo o conceito tem por base o desejo dos pretensos "instrutores" de dominar os crédulos nas épocas bárbaras.
Usavam-se as palavras "desagradável" e "repugnante" na ilha para indicar o que quer que entrasse em conflito com o novo evangelho, conhecido pelo nome de "Agradar". A intenção por trás disso era que as pessoas se agradassem dentro da necessidade geral de agradar ao Estado. O Estado passava a significar o povo todo. Não é de admirar que, desde os tempos mais primitivos, a idéia de deixar a ilha enchesse de pavor a maioria das pessoas. Da mesma forma, descobre-se um medo muito real nos prisioneiros condenados a penas demasiado longas quando se vêem na iminência de ser libertados. Qualquer lugar "fora" do local de cativeiro é um mundo vago, desconhecido, ameaçador. A ilha não era uma prisão, mas sim uma jaula de barras invisíveis, porém mais eficazes do que o seriam quaisquer barras óbvias.
A sociedade insulana foi se tornando cada vez mais complexa, e sua literatura muito rica. Além das composições culturais, havia também um sistema de ficção alegórica que mostrava o quão terrível poderia ter sido a vida, se a sociedade não tivesse se ajustado ao atual modelo tranqüilizador. Ainda assim, de tempos a tempos instrutores tentavam ajudar a comunidade a escapar. Capitães sacrificavam-se em prol do restabelecimento de um clima em que os ora escondidos construtores de navios pudessem prosseguir no trabalho. Todos esses esforços foram interpretados por historiadores e sociólogos com referência às condições da ilha, sem idéia de qualquer contato fora daquela sociedade fechada.
Produziam-se com facilidade relativa explicações plausíveis para quase tudo. Não estava envolvido nenhum princípio de ética, porque os doutos continuavam a estudar com dedicação genuína o que parecia ser verdade. "Que mais podemos fazer?", perguntavam, dando a entender, com a palavra "mais", que a alternativa poderia ser um esforço de quantidade. Ou perguntavam uns aos outros: "Que outra coisa podemos fazer?", supondo que a resposta pudesse estar em "outra coisa" - algo diferente. O seu verdadeiro problema era que eles se julgavam capazes de formular as perguntas, e ignoravam o fato de que as perguntas tinham tanta importância, em todos os sentidos, quanto as respostas. Está visto que aos ilhéus se oferecia um campo muito grande para pensar e agir dentro de seu pequeno domínio.
As variações de idéias e diferenças de opinião davam a impressão de liberdade de pensamento. Estimulava-se o pensamento, contanto que não fosse "absurdo". Permitia-se a liberdade de palavra, aliás de escassa utilização sem o desenvolvimento da compreensão, que não era levado a efeito. O trabalho e a ênfase dos navegadores teve de assumir aspectos diferentes de acordo com as mudanças verificadas na comunidade, o que lhes tornava a realidade ainda mais desconcertante para os estudantes que procuravam acompanhá-los do ponto de vista da ilha. No meio de toda a confusão, até a capacidade de lembrar-se da possibilidade de escapar podia, às vezes, transformar-se em obstáculo. A consciência emocionante da possibilidade de fuga não era muito discriminativa. Na maior parte das vezes, os ansiosos aspirantes a fujões se decidiam por qualquer espécie de substituto. Um conceito vago de navegação não poderia ser útil sem orientação. Até os mais ardentes construtores de navios em potencial tinham sido treinados para acreditar que já possuíam essa orientação. Já estavam maduros. Odiavam todos os que dissessem que eles talvez precisassem de preparação. Versões estranhas de natação e construção de navios freqüentemente excluíam, pela força do número, as possibilidades de progresso verdadeiro. Bastante censuráveis eram os advogados da pseudonatação ou dos navios alegóricos, meros mercenários, que ofereciam lições aos que ainda estavam fracos demais para nadar, ou passagens em navios que não podiam construir.
As necessidades da sociedade tinham exigido, originalmente, certas formas de eficiência e pensamento que redundavam no que se conhecia por ciência. Esse enfoque admirável, tão essencial nos campos em que tinha aplicação, acabou exorbitando do seu verdadeiro significado. O enfoque, denominado "científico" logo após a revolução "Agradar", ampliou-se até cobrir todo tipo de idéias. Finalmente, as coisas que não puderam ser contidas dentro dos respectivos limites passaram a ser conhecidas como "não-científicas", outro sinônimo conveniente de "más". As palavras eram estranhamente aprisionadas e, a seguir, automaticamente escravizadas. Na ausência de uma atitude adequada, como as pessoas que, entregues aos próprios recursos na sala de espera de um consultório, põem-se automaticamente a ler revistas, os ilhéus se absorveram na procura de substitutos da realização, que era o propósito original (e, na verdade, final) do exílio da comunidade. Alguns foram capazes de distrair a atenção, de maneira mais ou menos bem-sucedida, com atitudes principalmente emocionais. Havia séries diferentes de emoção, mas nenhuma escala adequada para medi-las. Considerava-se toda emoção "funda" ou "profunda" - como quer que fosse, mais profunda que a não-emoção. A emoção que levava as pessoas aos atos físicos e mentais mais extremos que se conheciam era automaticamente qualificada de "profunda". Em sua maioria, as pessoas costumavam escolher metas ou permitiam que outros as escolhessem para elas. Podiam consagrar-se a um culto depois de outro, ou ao dinheiro, ou à proeminência social. Algumas, por adorarem certas coisas, julgavam-se superiores a todo o resto. Outras, repudiando o que supunham ser o culto, cuidavam não ter ídolos e poder, por conseguinte, zombar com segurança de tudo o mais.
À medida que os séculos passavam, a ilha se viu juncada de destroços desses cultos. Pior do que destroços comuns, eles eram autoperpetuantes. Pessoas bem-intencionadas e outras combinaram e recombinaram os cultos, e estes voltaram a propagar-se. Para o amador e para o intelectual isso constituía uma mina de material acadêmico ou "inicial", que dava uma reconfortante sensação de variedade. Proliferaram magníficas instalações para o gozo de "satisfações" limitadas. Palácios e monumentos, museus e universidades, institutos de saber, teatros e estádios esportivos abarrotaram a ilha. O povo, naturalmente, se orgulhava desses recursos, muitos dos quais considerava ligados, de um modo geral, à verdade fundamental, embora muito pouca gente soubesse exatamente como era isso. A construção de navios estava associada a algumas dimensões dessa atividade, mas de um jeito desconhecido de quase toda a gente. Clandestinamente, os navios desfraldaram suas velas, e os nadadores continuaram a ensinar natação. As condições na ilha não consternaram em demasia aquela gente dedicada. Afinal de contas, ela também se originara da mesma comunidade e tinha laços indissolúveis com ela e com o seu destino. Mas precisava, muito a miúdo, preservar-se das atenções dos seus concidadãos. Alguns ilhéus "normais" tentaram salvá-la de si mesma. Outros tentaram matá-la por uma razão igualmente sublime. Outros até buscaram ardentemente a ajuda dela, mas não conseguiram encontrá-la. Todas essas reações à existência dos nadadores resultavam da mesma causa, filtrada através de diferentes tipos de mentes, a saber, que quase toda a gente sabia agora em que consistia um nadador, o que ele estava fazendo e onde poderia ser encontrado.
À medida que a vida na ilha foi se tornando mais e mais civilizada, surgiu uma indústria estranha, mas lógica, consagrada a lançar dúvidas sobre a validade do sistema sob o qual vivia a sociedade. Ela logrou absorver as dúvidas acerca dos valores sociais ridicularizando-os ou satirizando-os. A atividade poderia apresentar um rosto triste ou feliz mas, na realidade, se tornou um ritual repetitivo. Indústria potencialmente valiosa, era, não raro, impedida de exercer suas funções realmente criativas. Achavam as pessoas que, tendo dado às suas dúvidas uma expressão temporária, conseguiriam, de certo modo, atenuá-las, exorcizá-las, quase aplacá-las. A sátira passou a ser considerada uma alegoria significativa; a alegoria foi aceita mas não digerida. Peças, livros, filmes, poemas, pasquins foram os meios usados para esse desenvolvimento, ainda que boa parte dele operasse em campos mais acadêmicos. Para muitos ilhéus, parecia mais emancipado, mais moderno ou progressivo seguir esse culto em lugar dos antigos. Aqui e ali um candidato ainda se apresentava a um instrutor de natação, para fazer sua barganha. E geralmente ocorria o que, na verdade, era uma conversação estereotipada:
- Quero aprender a nadar.
- Quer fazer uma barganha?
- Não. Só tenho de levar minha tonelada de couve.
- Que couve?
- A comida de que precisarei na outra ilha.
- Lá existe comida melhor.
- Não sei do que você está falando. Não posso ter certeza. Preciso levar minha couve!
- Em primeiro lugar, você não pode nadar com uma tonelada de couve.
- Então não posso ir. Você chama a couve de carga. Eu chamo-lhe minha nutrição essencial.
- Suponha, como alegoria, que, em lugar de couve, prefiramos dizer "suposições" ou "idéias destrutivas".
- Levarei minha couve a algum instrutor que compreenda minhas necessidades.
Este livro fala de alguns nadadores e construtores de navios, e também de outros que tentaram acompanhá-los, com maior ou menor sucesso. A fábula não terminou, porque ainda existem pessoas na ilha. Os sufis utilizam linguagem cifrada para transmitir o que querem dizer. Mude a posição das letras do nome da comunidade original - Xirtam - e terá "Matrix". Talvez já tenha notado que o nome adotado pelos revolucionários - "please" (Agradar) - forma, com as letras mudadas de lugar, a palavra "asleep" (Adormecido).
Fonte: Os Sufis; Idries Shah

POST SAINDO DA MATRIX