quinta-feira, 7 de julho de 2011

..sobre tolices importantes....

Ainda posso me lembrar de um tempo onde qualquer hora do dia era fim de tarde com cheiro de café e bolo de fubá fresquinho.
Tudo girava em torno de coisas tolas tão importantes! Já se perguntou alguma vez o que estamos fazendo com nossas vidas? Eu disse NOSSAS vidas!
Parece que esquecemos de sentir, cheirar, parar para olhar, parar para viver algo e se surpreender. Nada disso acontece mais de forma natural.
E por que não nos surpreendemos, nem sentimos, nem vivemos, nem cheiramos?
Por que esperamos demais, acomodados em expectativas que já vem enlatadas e totalmente fabricadas, com os conservantes da mais pura esquizofrenia social;
Presos à valores ridículos e insanos, que nem temos tempo de repensar, pois não se pode enxergar azul num mundo só de amarelo.
Vivemos no piloto automático sempre, fazendo só "o que deve ser feito", o que dá orgulho à sua família ou ao seu ciclo social ridículo e limitado, só para satisfazer essas expectativas pré-fabricadas e prontas para o consumo.
Nesse ponto já se esquece que nosso coração também tem voz, que podemos abandonar o caminho trilhado à qualquer momento, sem dever nada a ninguém e sem ater ao orgulho, que é um valor que destrói muitas almas.
Como disse a poetisa: "Lúcidos? São poucos"
Céus! Vejam quantos sonâmbulos andam nas calçadas; quantos mortos vivos dirigem seus veículos do ano;
Veja, veja com horror as pessoas de terno que correm apressadas pelas ruas, como quem corre num pesadelo, sem saber do que!
Conseguiram industrializar até a vida.
Já é tempo de ser lúcido. Não se submeta, acorde!

sexta-feira, 1 de julho de 2011

ADIOS FIOS

Por Elton Werb
Fonte: Jornal Diário Catarinense, 26/06/2007


Certa vez, quando visitava a casa dos avós, o filho do físico Marin Soljacic, então com três anos, pegou pelo gancho um aparelho telefônico com 20 anos de uso e perguntou:
- Pai, por que esse telefone está preso com uma corda à parede?
Confrontado com a mente de uma criança que está crescendo num mundo sem fios, a única coisa que Soljacic conseguiu responder ao filho foi:
- Que coisa estranha, não?
Nos últimos anos, dispositivos eletrônicos portáteis como laptops, telefones celulares e tocadores de MP3 e tecnologias como Wi-Fi e Bluetooth começaram a libertar a humanidade do uso de fios para a transmissão de informações.
No início de junho, à frente de um grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Soljacic deu um passo em direção ao dia em que seu neto não reconhecerá um cabo de luz. A equipe do MIT acendeu uma lâmpada de 60 watts transportando a eletricidade por uma distância de mais de dois metros sem a utilização de fios. A experiência abre caminho para um futuro em que será possível enviar energia para dispositivos eletrônicos sem a necessidade de plugá-los à rede elétrica.
Métodos de transmissão sem fio são conhecidos há séculos. Talvez o mais famoso seja a radiação eletromagnética, que inclui as ondas de rádio. Mas não serve para transmitir eletricidade, já que as ondas se espalham em todas as direções, dispersando-se no espaço. A solução encontrada pela equipe de Soljacic foi a ressonância magneticamente acoplada. Baseia-se no fato de que dois objetos com a mesma freqüência de ressonância tendem a trocar energia de forma eficiente sem afetar os demais objetos em volta, que vibram em outras freqüências.
Para entender o princípio, imagine um quarto com cem copos de vinho idênticos, cada um cheio em um nível diferente, de modo que suas freqüências de ressonância sejam diferentes. Se uma cantora de ópera entoasse na sala uma única nota suficientemente alta, o copo correspondente à freqüência daquela nota poderia acumular energia e até explodir, enquanto os outros copos não seriam influenciados.
Os cientistas do MIT conseguiram identificar um ponto no qual os dois ressonadores ficam acoplados, mesmo quando separados por vários metros. Para testar a teoria, criaram um equipamento que chamaram de Witricity, acrônimo das palavras inglesas wireless (sem fio) e electricity (eletricidade). O aparelho consiste de duas bobinas de cobre, uma delas ligada a uma fonte de energia. Essa unidade transmissora preenche o espaço ao redor com um campo magnético não-radioativo oscilando a uma freqüência de alguns megahertz. O campo não-radioativo atua como meio para levar a energia até a outra bobina, projetada especialmente para ressonar na freqüência desse campo. A natureza ressonante do sistema garante que haja sempre uma forte interação entre as bobinas transmissora e receptora, evitando interrupções na transmissão da energia.
Ao acender a lâmpada, os pesquisadores demonstraram ser totalmente possível, por exemplo, a transmissão de energia em uma sala para abastecer computadores portáteis. E não apenas para recarregar suas baterias, mas para fazê-los funcionar como se estivessem ligados à rede elétrica. Quantidades de energia mais do que suficientes para alimentar um aparelho elétrico poderiam ser transmitidas através de um quarto, em todas as direções e de modo eficiente, independentemente da geometria do espaço em volta e de outros objetos que estejam no caminho entre o transmissor e o receptor. Isso significa que uma única fonte de energia seria suficiente para abastecer uma casa inteira.
Portanto, não será surpresa para Marin Soljacic se daqui a alguns anos seu neto vier visitá-lo e, diante de um velho televisor de 2007, perguntar:
- Vô, por que esta TV está presa com uma corda à parede?
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    Tesla Roadster: Meu sonho de consumo ecológico
Pois bem. O que esse texto está fazendo no Saindo da Matrix? Além de gostar de informática, também aprecio teorias da conspiração, e uma muito boa é a de que o físico Nikola Tesla já fazia mais ou menos isso no fim de 1898. Existe varios artigos sobre Tesla na internet e recentemente saiu um livro sobre as invenções dele em português (As fantásticas invenções de Nikola Tesla). Diz-se que ele conseguiu desenvolver uma antena que captava energia elétrica pelo ar. O que Tesla pretendia não era, simplesmente, tornar acessível a todos o uso da energia elétrica. Sua capacidade de visão o levou a lutar por um ideal ainda mais abrangente: a transmissão de energia elétrica sem fios mediante um sistema que permitiria distribuí-la pelo mundo inteiro, fazendo com que ela passasse a ser propriedade da humanidade. E ele não estava falando isso da boca pra fora. O cara simplesmente poderia ter sido o homem mais rico de sua época por conta da invenção da corrente alternada (isso mesmo, isso que todos nós usamos em casa) mas ele rasgou o contrato com a Westinghouse em um gesto de camaradagem, enquanto ela implementava (ainda com riscos financeiros) a tecnologia. Uma maciça campanha contra Tesla foi feita por Thomas Edison (o pai da lâmpada) e Marconi (um dos pais do rádio, ao lado de Padre Landell) e o relegaram à obscuridade. Óbvio que interesses financeiros paralisaram seus projetos, da mesma forma que paralisam até hoje o desenvolvimento do carro elétrico. Mas, para além da conspiração, ainda há outro motivo para o texto: a ressonância, assunto muito debatido aqui. Ela é aplicada na música, na física quântica, e, agora, na tecnologia. Por que então há uma relutância dos não-esotéricos em aceitar que há sim uma sintonia entre mentes, entre pessoas e animais "irracionais", e até mesmo plantas? Por que relegar o assunto para ser tratado de forma séria apenas no obscurantismo da parapsicologia e seus Quevedos, que do alto de seus egos ditam o que é verdade ou mentira no mundo do desconhecido?
Os milagres não acontecem em contradição com a natureza, mas só em contradição com o que sabemos da natureza
(Provérbio Chinês)
Estamos engatinhando no aprendizado do mundo que nos cerca. Quanto mais sabemos, mais vemos que aquilo que chamávamos de "magia" ou "impossível" há 10, 100, 200 anos atrás, hoje é TECNOLOGIA. Manipulação dos elementos, como os alquimistas faziam há mais de 1.000 anos, ou como um tal de Jesus curava "milagrosamente" as pessoas.

FABULAS SUFIS

"O homem comum se arrepende dos seus pecados; o eleito se arrepende da insensatez deles"
(Dh'l-Nun Misri)
A maioria das fábulas contém pelo menos alguma verdade, e elas, não raro, facultam às pessoas a absorção de idéias que os modelos comuns do seu pensamento as impediriam de digerir. As fábulas, portanto, têm sido usadas pelos mestres sufistas a fim de apresentar uma imagem da vida mais em harmonia com os seus sentimentos do que seria possível por meio de exercícios intelectuais. Aqui está uma fábula sufista a respeito da situação humana, sumariada e adaptada adequadamente, como sempre deve acontecer, ao tempo em que é apresentada. As fábulas comuns de "entretenimento" são consideradas pelos autores sufistas uma forma de arte degenerada ou inferior.
Era uma vez uma comunidade ideal que vivia numa região muito distante. Seus membros não tinham temores como os que hoje conhecemos. Em lugar da incerteza e da vacilação, tinham determinação e meios mais completos de se expressar. Embora não houvesse nenhuma das tensões e pressões que a humanidade considera hoje essenciais ao seu progresso, suas vidas eram mais ricas, porque outros elementos, melhores, substituíam essas coisas. Seu modo de existência, por sua vez, era ligeiramente diferente. Poderíamos quase dizer que nossas percepções atuais são uma versão crua, provisória, das percepções reais que possuía a comunidade. Suas vidas eram reais, e não semi-vidas. Podemos chamar-lhes o povo de Xirtam.
Eles tinham um líder, que descobriu que o seu país se tornaria inabitável por um período, digamos, de vinte mil anos. Em vista disso, planejou-lhes a fuga, compreendendo que seus descendentes só conseguiriam voltar para casa depois de inúmeras tentativas. Encontrou para eles um lugar de refúgio, uma ilha cujas características se pareciam ligeiramente com as de sua terra natal. Por causa da diferença de clima e situação, os imigrantes tiveram de sofrer uma transformação, que os tornou, física e mentalmente, mais adaptados às novas circunstâncias; percepções grosseiras, por exemplo, substituíram as percepções mais finas, como quando as mãos do trabalhador manual se tornam mais calosas em resposta às necessidades do seu ofício. Com a intenção de reduzir a dor que traria uma comparação entre o estado antigo e o novo, eles foram induzidos a esquecer quase inteiramente o passado. Só ficou dele a lembrança mais vaga, embora suficiente para ser redespertada quando chegasse a ocasião. O sistema era muito complicado, mas bem ordenado. Os órgãos através dos quais o povo sobreviveu na ilha foram também transformados em órgãos de prazer, físico e mental. Os órgãos que eram construtivos em sua velha terra natal foram colocados numa espécie de inatividade provisória e ligados à lembrança vaga, preparados para sua posterior ativação.
Lenta e penosamente, os imigrantes se instalaram, ajustando-se às condições locais. Os recursos da ilha eram tais que, unidos ao esforço e a certa forma de orientação, permitiriam ao povo fugir para outra ilha, no caminho de volta ao lar original. Essa foi a primeira de uma sucessão de ilhas em que se verificou a gradativa aclimatação. A responsabilidade da "evolução" coube aos indivíduos capazes de arcar com ela. Eram, por força, apenas uns poucos porque, para a massa do povo, o esforço de manter as duas séries de conhecimentos em suas consciências revelava-se virtualmente impossível. Uma delas parecia conflitar com a outra. Certos especialistas guardavam a "ciência especial". Esse "segredo", o método de levar a efeito a transição, era nada mais nada menos do que o conhecimento das habilidades marítimas e sua aplicação. A fuga exigia um instrutor, matérias-primas, gente, esforço e compreensão. Havendo tudo isso, o povo poderia aprender a nadar e também a construir navios. A gente originalmente encarregada das operações de fuga esclareceu a todos que se fazia necessário certo preparo antes que alguém pudesse aprender a nadar ou até participar da construção de um navio.
Durante algum tempo, o processo prosseguiu satisfatoriamente. Nisso, um homem considerado, na ocasião, carecedor das qualidades necessárias rebelou-se contra essa ordem e conseguiu desenvolver uma idéia magistral: Observara que o esforço para fugir colocara um fardo pesado e, não raro, aparentemente aborrecido sobre o povo, que se mostrava, ao mesmo tempo, disposto a acreditar nas coisas que lhe contavam sobre a operação de fuga. O homem compreendeu que poderia adquirir poder e também vingar-se dos que o haviam menosprezado pela simples exploração das duas séries de fatos. Oferecer-se-ia, simplesmente, para tirar-lhes o fardo das costas, afirmando não haver fardo. E fez esta declaração: "O homem não precisa integrar a mente e treiná-la da maneira descrita a vocês. A mente humana já é uma coisa estável, contínua e consistente. Disseram-lhes que vocês precisavam tornar-se artífices para construir um navio. Pois eu lhes digo que não precisam ser artífices - não precisam de navio algum! Um ilhéu tem apenas de observar umas poucas regras simples para sobreviver e permanecer integrado na sociedade. Pelo exercício do bom senso, inato a todos, pode alcançar qualquer coisa nesta ilha, nosso lar, propriedade e herança comuns a todos!"
Tendo provocado grande interesse no seio do povo, o tagarela, em seguida, "provou" sua mensagem, dizendo: "Se houver alguma realidade em navios e em nadar, mostrem-nos navios que fizeram a viagem e nadadores que voltaram!" Era um desafio aos instrutores, que não o podiam enfrentar. Baseava-se numa suposição cujo sofisma não poderia ser detectado pelo rebanho bestificado. A verdade é que nunca tinham voltado navios da outra terra. E os nadadores, quando regressavam, eram submetidos a uma nova adaptação que os tornava invisíveis à multidão. O populacho instou para que lhe fornecessem uma prova demonstrativa. "A construção de navios", disseram os encarregados da ruga, numa tentativa de argumentar com os revoltosos, "é uma arte e um ofício. O aprendizado e o exercício dessa ciência dependem de técnicas especiais, as quais, juntas, formam uma atividade total, que não pode ser examinada por partes, como vocês estão querendo. Essa atividade contém um elemento impalpável, chamado baraka, do qual deriva a palavra 'barco' - navio. A palavra significa 'a sutileza' e não lhes pode ser mostrada." "Arte, ofício, total, baraka, tolices!", berraram os revolucionários. E enforcaram quantos artífices empenhados na construção de navios puderam encontrar. O novo evangelho foi acolhido com entusiasmo por todos os lados como um evangelho de libertação. O homem descobrira que já estava maduro! Tinha a impressão, pelo menos naquele momento, de que fora desonerado da responsabilidade. A maioria das outras maneiras de pensar foi logo absorvida pela singeleza e pelo conforto do conceito revolucionário, que passou a ser considerado um fato básico, jamais contestado por nenhuma pessoa racional. Por racional, é claro, subentendia-se qualquer pessoa que se ajustasse à teoria geral em que se baseava agora a sociedade. As idéias que se opunham aos novos conceitos foram facilmente denominadas irracionais. Todo irracional era ruim. Daí por diante, ainda que tivesse dúvidas, o indivíduo tinha de suprimi-las eu afastá-las, porque precisava ser tido por racional a todo o custo. Não era muito difícil ser racional. Bastava à pessoa aderir aos valores da sociedade. Além disso, abundavam as provas da verdade da racionalidade - contanto que as pessoas não se pusessem a pensar além da vida na ilha.
A sociedade, agora, temporariamente equilibrada no interior da ilha, parecia proporcionar uma inteireza plausível, pelo menos vista através de si mesma. Fundada na razão acrescida da emoção, fazia que ambas parecessem plausíveis. Permitia-se, por exemplo, o canibalismo com base em argumentos racionais. Descobriu-se que o corpo humano é comestível. A comestibilidade é uma característica do alimento. Por conseguinte, o corpo humano era alimento. Com a intenção de compensar as deficiências desse raciocínio, foi utilizado um artifício. Controlou-se o canibalismo no interesse da sociedade. O meio-termo era a marca registrada do equilíbrio temporário. De quando em quando alguém assinalava um novo meio-termo, e a luta entre a razão, a ambição e a comunidade produzia alguma nova norma social.
Uma vez que as habilidades necessárias à construção de navios não tinham nenhuma aplicação óbvia dentro da sociedade, o esforço poderia facilmente ser considerado absurdo. Os barcos eram dispensáveis - não havia para onde ir. As conseqüências de certas suposições podem ser levadas a "provar" as ditas suposições. É a isso que se dá o nome de pseudocerteza, a substituta da certeza verdadeira. É com isso que lidamos todos os dias, ao supor que viveremos outro dia. Mas os nossos ilhéus aplicavam-na a tudo. Dois verbetes da grande Enciclopédia universal da ilha mostram-nos como funcionava o processo:
NAVIO: Desagradável. Veículo imaginário em que impostores e enganadores asseveraram ser possível "transpor a água", o que hoje está cientificamente provado que é um absurdo. Não se conhece na ilha nenhum material impermeável à água com o qual se pudesse construir um "navio" nessas condições, sem falar na questão de saber se existe ou não uma destinação além da ilha. A MANIA DA CONSTRUÇÃO DE NAVIOS, forma extrema de escapismo mental, é um sintoma de desajuste. Todos os cidadãos se encontram na obrigação constitucional de notificar as autoridades sanitárias se acaso suspeitarem da existência dessa trágica condição em qualquer indivíduo. Veja: Natação; Aberrações mentais; Crime {Capital). Leituras: Por que os "navios" não podem ser construídos, de Smith, J., Monografia da Universidade da Ilha, número 1151.
NATAÇÃO: Repugnante. Suposto método de propelir o corpo através da água sem se afogar, geralmente com o propósito de "alcançar um lugar fora da ilha". O "estudante" dessa arte repugnante tinha de submeter-se a um ritual grotesco. Na primeira lição, tinha de deitar-se no chão e mover os braços e as pernas em resposta às instruções do "instrutor. Todo o conceito tem por base o desejo dos pretensos "instrutores" de dominar os crédulos nas épocas bárbaras.
Usavam-se as palavras "desagradável" e "repugnante" na ilha para indicar o que quer que entrasse em conflito com o novo evangelho, conhecido pelo nome de "Agradar". A intenção por trás disso era que as pessoas se agradassem dentro da necessidade geral de agradar ao Estado. O Estado passava a significar o povo todo. Não é de admirar que, desde os tempos mais primitivos, a idéia de deixar a ilha enchesse de pavor a maioria das pessoas. Da mesma forma, descobre-se um medo muito real nos prisioneiros condenados a penas demasiado longas quando se vêem na iminência de ser libertados. Qualquer lugar "fora" do local de cativeiro é um mundo vago, desconhecido, ameaçador. A ilha não era uma prisão, mas sim uma jaula de barras invisíveis, porém mais eficazes do que o seriam quaisquer barras óbvias.
A sociedade insulana foi se tornando cada vez mais complexa, e sua literatura muito rica. Além das composições culturais, havia também um sistema de ficção alegórica que mostrava o quão terrível poderia ter sido a vida, se a sociedade não tivesse se ajustado ao atual modelo tranqüilizador. Ainda assim, de tempos a tempos instrutores tentavam ajudar a comunidade a escapar. Capitães sacrificavam-se em prol do restabelecimento de um clima em que os ora escondidos construtores de navios pudessem prosseguir no trabalho. Todos esses esforços foram interpretados por historiadores e sociólogos com referência às condições da ilha, sem idéia de qualquer contato fora daquela sociedade fechada.
Produziam-se com facilidade relativa explicações plausíveis para quase tudo. Não estava envolvido nenhum princípio de ética, porque os doutos continuavam a estudar com dedicação genuína o que parecia ser verdade. "Que mais podemos fazer?", perguntavam, dando a entender, com a palavra "mais", que a alternativa poderia ser um esforço de quantidade. Ou perguntavam uns aos outros: "Que outra coisa podemos fazer?", supondo que a resposta pudesse estar em "outra coisa" - algo diferente. O seu verdadeiro problema era que eles se julgavam capazes de formular as perguntas, e ignoravam o fato de que as perguntas tinham tanta importância, em todos os sentidos, quanto as respostas. Está visto que aos ilhéus se oferecia um campo muito grande para pensar e agir dentro de seu pequeno domínio.
As variações de idéias e diferenças de opinião davam a impressão de liberdade de pensamento. Estimulava-se o pensamento, contanto que não fosse "absurdo". Permitia-se a liberdade de palavra, aliás de escassa utilização sem o desenvolvimento da compreensão, que não era levado a efeito. O trabalho e a ênfase dos navegadores teve de assumir aspectos diferentes de acordo com as mudanças verificadas na comunidade, o que lhes tornava a realidade ainda mais desconcertante para os estudantes que procuravam acompanhá-los do ponto de vista da ilha. No meio de toda a confusão, até a capacidade de lembrar-se da possibilidade de escapar podia, às vezes, transformar-se em obstáculo. A consciência emocionante da possibilidade de fuga não era muito discriminativa. Na maior parte das vezes, os ansiosos aspirantes a fujões se decidiam por qualquer espécie de substituto. Um conceito vago de navegação não poderia ser útil sem orientação. Até os mais ardentes construtores de navios em potencial tinham sido treinados para acreditar que já possuíam essa orientação. Já estavam maduros. Odiavam todos os que dissessem que eles talvez precisassem de preparação. Versões estranhas de natação e construção de navios freqüentemente excluíam, pela força do número, as possibilidades de progresso verdadeiro. Bastante censuráveis eram os advogados da pseudonatação ou dos navios alegóricos, meros mercenários, que ofereciam lições aos que ainda estavam fracos demais para nadar, ou passagens em navios que não podiam construir.
As necessidades da sociedade tinham exigido, originalmente, certas formas de eficiência e pensamento que redundavam no que se conhecia por ciência. Esse enfoque admirável, tão essencial nos campos em que tinha aplicação, acabou exorbitando do seu verdadeiro significado. O enfoque, denominado "científico" logo após a revolução "Agradar", ampliou-se até cobrir todo tipo de idéias. Finalmente, as coisas que não puderam ser contidas dentro dos respectivos limites passaram a ser conhecidas como "não-científicas", outro sinônimo conveniente de "más". As palavras eram estranhamente aprisionadas e, a seguir, automaticamente escravizadas. Na ausência de uma atitude adequada, como as pessoas que, entregues aos próprios recursos na sala de espera de um consultório, põem-se automaticamente a ler revistas, os ilhéus se absorveram na procura de substitutos da realização, que era o propósito original (e, na verdade, final) do exílio da comunidade. Alguns foram capazes de distrair a atenção, de maneira mais ou menos bem-sucedida, com atitudes principalmente emocionais. Havia séries diferentes de emoção, mas nenhuma escala adequada para medi-las. Considerava-se toda emoção "funda" ou "profunda" - como quer que fosse, mais profunda que a não-emoção. A emoção que levava as pessoas aos atos físicos e mentais mais extremos que se conheciam era automaticamente qualificada de "profunda". Em sua maioria, as pessoas costumavam escolher metas ou permitiam que outros as escolhessem para elas. Podiam consagrar-se a um culto depois de outro, ou ao dinheiro, ou à proeminência social. Algumas, por adorarem certas coisas, julgavam-se superiores a todo o resto. Outras, repudiando o que supunham ser o culto, cuidavam não ter ídolos e poder, por conseguinte, zombar com segurança de tudo o mais.
À medida que os séculos passavam, a ilha se viu juncada de destroços desses cultos. Pior do que destroços comuns, eles eram autoperpetuantes. Pessoas bem-intencionadas e outras combinaram e recombinaram os cultos, e estes voltaram a propagar-se. Para o amador e para o intelectual isso constituía uma mina de material acadêmico ou "inicial", que dava uma reconfortante sensação de variedade. Proliferaram magníficas instalações para o gozo de "satisfações" limitadas. Palácios e monumentos, museus e universidades, institutos de saber, teatros e estádios esportivos abarrotaram a ilha. O povo, naturalmente, se orgulhava desses recursos, muitos dos quais considerava ligados, de um modo geral, à verdade fundamental, embora muito pouca gente soubesse exatamente como era isso. A construção de navios estava associada a algumas dimensões dessa atividade, mas de um jeito desconhecido de quase toda a gente. Clandestinamente, os navios desfraldaram suas velas, e os nadadores continuaram a ensinar natação. As condições na ilha não consternaram em demasia aquela gente dedicada. Afinal de contas, ela também se originara da mesma comunidade e tinha laços indissolúveis com ela e com o seu destino. Mas precisava, muito a miúdo, preservar-se das atenções dos seus concidadãos. Alguns ilhéus "normais" tentaram salvá-la de si mesma. Outros tentaram matá-la por uma razão igualmente sublime. Outros até buscaram ardentemente a ajuda dela, mas não conseguiram encontrá-la. Todas essas reações à existência dos nadadores resultavam da mesma causa, filtrada através de diferentes tipos de mentes, a saber, que quase toda a gente sabia agora em que consistia um nadador, o que ele estava fazendo e onde poderia ser encontrado.
À medida que a vida na ilha foi se tornando mais e mais civilizada, surgiu uma indústria estranha, mas lógica, consagrada a lançar dúvidas sobre a validade do sistema sob o qual vivia a sociedade. Ela logrou absorver as dúvidas acerca dos valores sociais ridicularizando-os ou satirizando-os. A atividade poderia apresentar um rosto triste ou feliz mas, na realidade, se tornou um ritual repetitivo. Indústria potencialmente valiosa, era, não raro, impedida de exercer suas funções realmente criativas. Achavam as pessoas que, tendo dado às suas dúvidas uma expressão temporária, conseguiriam, de certo modo, atenuá-las, exorcizá-las, quase aplacá-las. A sátira passou a ser considerada uma alegoria significativa; a alegoria foi aceita mas não digerida. Peças, livros, filmes, poemas, pasquins foram os meios usados para esse desenvolvimento, ainda que boa parte dele operasse em campos mais acadêmicos. Para muitos ilhéus, parecia mais emancipado, mais moderno ou progressivo seguir esse culto em lugar dos antigos. Aqui e ali um candidato ainda se apresentava a um instrutor de natação, para fazer sua barganha. E geralmente ocorria o que, na verdade, era uma conversação estereotipada:
- Quero aprender a nadar.
- Quer fazer uma barganha?
- Não. Só tenho de levar minha tonelada de couve.
- Que couve?
- A comida de que precisarei na outra ilha.
- Lá existe comida melhor.
- Não sei do que você está falando. Não posso ter certeza. Preciso levar minha couve!
- Em primeiro lugar, você não pode nadar com uma tonelada de couve.
- Então não posso ir. Você chama a couve de carga. Eu chamo-lhe minha nutrição essencial.
- Suponha, como alegoria, que, em lugar de couve, prefiramos dizer "suposições" ou "idéias destrutivas".
- Levarei minha couve a algum instrutor que compreenda minhas necessidades.
Este livro fala de alguns nadadores e construtores de navios, e também de outros que tentaram acompanhá-los, com maior ou menor sucesso. A fábula não terminou, porque ainda existem pessoas na ilha. Os sufis utilizam linguagem cifrada para transmitir o que querem dizer. Mude a posição das letras do nome da comunidade original - Xirtam - e terá "Matrix". Talvez já tenha notado que o nome adotado pelos revolucionários - "please" (Agradar) - forma, com as letras mudadas de lugar, a palavra "asleep" (Adormecido).
Fonte: Os Sufis; Idries Shah

POST SAINDO DA MATRIX

sexta-feira, 24 de junho de 2011

SEM SAUDE,....SEM EDUCAÇÃO.....A LEGITIMA COPA DO MUNDO 2014....O BRASIL VAI ENTRAR EM FRIA,OU MELHOR NÓS

Observatório da Imprensa: O Escândalo na FIFA no Brasil

Posted: 13/06/2011 by xicopati in Do Malta
A cobertura da corrupção no esporte Por Lilia Diniz em 09/06/2011 na edição 645
Há cerca de duas semanas, graves acusações de desvios de conduta de altos dirigentes de entidade esportivas ganharam amplo destaque a partir da exibição do programa Panorama, produzido pela BBC, rede pública do Reino Unido. De acordo com o programa, Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e integrante do Comitê Executivo da Fédération Internationale de Football Association (Fifa) e outros diretores da federação receberam propina da empresa ISL, que atuava no ramo de marketing esportivo nos anos 1990. As denúncias também envolvem o ex-presidente da Fifa, João Havelange. No início da década de 2000, quando a ISL foi à falência, a Justiça suíça descobriu o caso.
O Panorama afirma que Teixeira e Havelange firmaram um acordo com a Justiça para escapar do processo por meio do pagamento de uma multa e da devolução do dinheiro recebido. Segundo a BBC, a Fifa tentou evitar a divulgação de detalhes do caso e impedir que reportagens sobre o assunto fossem publicadas. Em meio à forte crise institucional, dias antes da mais recente eleição para a presidência da federação, a imprensa denunciou que o Catar teria pago U$$ 20 milhões para sediar a Copa do Mundo que será realizada em 2022.
Mesmo com as denúncias, o atual presidente da Fifa, Joseph Blatter, venceu a eleição com esmagadora maioria. Blatter ocupa o cargo desde 1998. A Fifa não negou as acusações de corrupção, mas prometeu mudanças internas. O assunto ganhou manchetes em todo o mundo e chegou a ser tema de reportagens de cadernos de Economia.
No Brasil, o jornal Valor Econômico publicou matéria sobre o assunto com destaque na primeira página, enquanto outros veículos restringiram o fato às páginas de Esportes.
O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (7/6) pela TV Brasil discutiu o espaço (veja vídeo abaixo) e, sobretudo, a localização dos escândalos no futebol nas páginas dos jornais. Além do caderno de Esportes Alberto Dines levou ao estúdio três profissionais de imprensa que têm grande experiência na área de Esportes. No Rio de Janeiro, participaram o presidente do diário esportivo Lance!, Walter de Mattos Jr., e o editor de Esportes do jornal O Globo, Antônio Nascimento.
Fundador e editor do Grupo Lance!, Walter de Mattos é economista graduado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e tem cursos de pós-graduação pela London Business School e Insead, na França. Jornalista há 25 anos, Antônio Nascimento é editor de Esportes há quinze. Foi responsável pela cobertura de quatro Copas do Mundo e quatro Jogos Olímpicos. Em São Paulo, participou o jornalista Marcos Augusto Gonçalves. Na Folha de S.Paulo, Marcos Augusto foi editor de Opinião, editor do caderno “Ilustrada” e correspondente em Milão. Cobriu dois Jogos Olímpicos e uma Copa do Mundo pela Folha e foi diretor editorial do diário Lance! e do site Lancenet.
No editorial que abre o programa (ver íntegra abaixo), Dines avaliou que as denúncias de corrupção teriam maior repercussão se não fossem publicadas apenas nas páginas de Esportes: “Com o mesmo destaque, porém nas páginas frequentadas por políticos e empresários, este noticiário já teria incriminado muita gente e os escândalos não se repetiriam com tanta freqüência”. Para Dines, os leitores dos cadernos esportivos preferem as notícias ligadas ao esporte em si e não à política ou às finanças do mundo esportivo.
A blindagem de Teixeira Na reportagem exibida antes do debate no estúdio, o jornalista Juca Kfouri acusou a Rede Globo de “blindar” Ricardo Teixeira. Segundo o jornalista, a cobertura da TV Globo mostrou a participação dos outros dirigente da Fifa, mas não mencionou as denúncias contra o presidente da CBF e do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo no Brasil. “Acaba tudo indo para o caderno de Esportes porque estamos falando de Copa do Mundo, de Olimpíadas. Mas, certamente, caberia no caderno de Negócios, de Economia. E de Polícia, com muita freqüência”, disse o jornalista. O colunista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo, disse que todas as editorias deveriam ficar atentas aos escândalos no futebol: “A sombra de suspeição que pesa sobre todas as atividades de Fifa, não só a Copa do Mundo, ficou muito aguçada nestes últimos dias”.Para Otávio Leite, editor-assistente do diário esportivo Marca Brasil-RJ, a mídia fazendo uma boa cobertura sobre os preparativos para a Copa do Mundo de 2014: “A mídia se transformou no verdadeiro órgão fiscalizador do que deveria ser feito e do que não está sendo feito”.
De Londres, o correspondente Silio Boccanera avaliou que a vitória de Joseph Blatter para a presidência da Fifa mostrou que, fora do Reino Unido, as denúncias de corrupção e suborno envolvendo a entidade não tiveram grande repercussão. “Os ingleses ainda estão tentando entender o porquê dessa reação. É bem verdade que o assunto ganhou um destaque maior porque as primeiras denúncias vieram de uma filmagem às escondidas feita em dezembro pelo Sunday Times, um jornal daqui. Depois, foi um cartola britânico, que em depoimento a uma Comissão Parlamentar de Inquérito, em Londres, disse que recebeu pedidos de suborno quando tentava promover a Inglaterra como sede da Copa de 2018”, lembrou o correspondente.
Silio Boccanera ressaltou que no Reino Unido o escândalo foi tratado com destaque nas primeiras páginas dos jornais e na abertura dos telejornais. E contou que os tablóides chegaram a comparar o presidente da Fifa com um personagem de um famoso seriado sobre a máfia: “Era um assunto praticamente político. De fato, é porque [diz respeito a] relações de poder em uma entidade internacional que envolve mais de 200 países. E, segundo os tablóides britânicos, famosos por suas manchetes exageradas, Joseph Blatter já é chamado aqui de ‘o Tony Soprano do futebol mundial’”.
Mais espaço para o Esporte No debate ao vivo, Antônio Nascimento disse que o leitor do caderno de Esportes não é “um leitor de segunda divisão” e destacou que, no jornal O Globo, os “assuntos sérios” do mundo do futebol não são cobertos apenas pela editoria de Esportes – estão presentes também em Economia e Política. “Agora, não dá para achar que tem uma ‘senhora’ crise na Fifa, talvez a maior na história da Fifa, e isso vá para as páginas de Internacional. Esporte hoje, no Brasil, é, em todos os sentidos, inclusive jornalisticamente, uma coisa muito séria”, explicou o jornalista. Na avaliação de Nascimento, a reestruturação da área de Esporte para os eventos programados para 2014 e 2016 está ocorrendo em ritmo lento. O ideal seria reforçar o setor com profissionais de outras áreas: “Eu preciso de um repórter que possa ficar fazendo uma pesquisa por dois meses e sumir da minha redação”. Marcos Augusto Gonçalves acredita que se o noticiário sobre corrupção no Esporte fosse coberto também pela editoria de Política poderia ter “um pouco mais de atenção”, mas ponderou que é otimismo achar que essa alteração seja capaz de despertar um grande interesse e provocar mudanças concretas. “A gente sabe que mesmo na política há muita corrupção, muitos casos obscuros que a imprensa menciona e muitas vezes desiste, não leva à frente”, avaliou o jornalista. Marcos Augusto destacou que neste momento de preparação para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos, as editorias de Esporte merecem mais atenção da direção dos jornais e poderiam ganhar mais espaço. O jornalismo de entretenimento deveria conviver com um jornalismo atento e perseverante que acompanhe as nebulosas questões dos bastidores do esporte. Na avaliação de Marcos Augusto Gonçalves, o interesse em investir na publicação de reportagens ou colunas sobre os bastidores do esporte deve partir da direção de redação dos jornais. O jornalista lembrou que em um grande veículo de comunicação há uma hierarquia de temas que diminui as chances de assuntos ligados aos bastidores do Esporte ganharem destaque no noticiário. “O público do Esporte não configura uma opinião pública que repercuta este tipo de assunto. Se você pega um jogador enchendo a cara em um baile funk, isso repercute dez vezes mais do que se você pega um dirigente – que na cabeça do torcedor já não é muito confiável – em uma situação de corrupção”, assegurou o jornalista. Outro ponto importante nesta questão, segundo ele, é interferência de interesses financeiros das empresas de comunicação na atuação dos profissionais da redação. Um exemplo é a compra dos direitos de transmissão de um campeonato de futebol, que pode influir na cobertura do evento. Sociedade cega Para Walter de Mattos Jr. não há garantia de que os delitos na alta cúpula do esporte sejam punidos caso a cobertura migre para as páginas de Política. Para ele, , há um “cinismo” da sociedade, que ignora as sequências de “delitos gravíssimos” envolvendo a administração da CBF e permanece passiva diante do noticiário. “Esse escândalo do Ricardo Teixeira, que mereceu uma repercussão muito pequena, não muda uma relação que é da maior importância para a sociedade brasileira. É isso que me intriga muito. Nós somos um país que vai sediar a Copa e as Olimpíadas.
Nunca se fez uma Olimpíada, na história, em que o presidente do Comitê Organizador fosse presidente do Comitê Olímpico – e, aqui, é o caso. Não tem governança nenhuma de controle em cima disso”, criticou o presidente o Lance! . Walter de Mattos comentou uma frase de Joseph Blatter sobre a crise na Fifa: “Nós vamos resolver isso em família”. “Essa ‘família’ funciona no Comitê Olímpico Internacional (COI), funciona na CBF, na Fifa. As instituições que estão por baixo são parte desta ‘família’, elas funcionam também no mesmo modelo. Você pega uma entidade brasileira e ela tem os seus afiliados. E eles todos precisam beijar a mão daquele capo que está lá em cima”, lamentou Walter de Mattos. Para o presidente do Lance!, é preciso refundar a questão do esporte. Hoje, o esporte envolve altas somas de dinheiro, mas os modelos usados na administração são praticamente os mesmos do passado, quando a importância do esporte na sociedade era apenas simbólica.
*** Sob o império da impunidade Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV exibido em 7/6/2011
A impunidade está em vantagem no mundo esportivo brasileiro porque os ilícitos são denunciados nas páginas de Esporte. Com o mesmo destaque, porém nas páginas frequentadas por políticos e empresários, este noticiário já teria incriminado muita gente e os escândalos não se repetiriam com tanta freqüencia. A importância de uma notícia depende basicamente da repercussão que provoca.
Os leitores dos cadernos esportivos são em sua maioria torcedores apaixonados e torcedores apaixonados estão preocupados com o que se passa ou vai passar nos gramados e quadras. As malfeitorias no futebol ficam geralmente impunes, embora denunciadas com veemência e galhardia por alguns ases do nosso jornalismo esportivo, porque aqueles que decidem não dão a devida atenção ao noticiário esportivo e talvez nem cheguem até ele ao folhear o jornal.
Os últimos escândalos envolvendo a Fifa, seu presidente Joseph Blatter e a compra de sedes para as próximas Copas do Mundo ganharam uma surpreendente reverberação porque foram denunciados em páginas ditas “nobres” de prestigiosos veículos como o Economist, a BBC, o Wall Street Journal e o El País.
No Brasil, as denúncias foram parar na primeira página do Valor Econômico e, em seguida, na emérita página 2 da Folha de S.Paulo porque o seu principal colunista, Clóvis Rossi, considerou-a tão importante quanto as denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palloci. A eleição para a presidência da Fifa não foi adiada e o seu eterno presidente, Joseph Blatter, foi mantido no cargo.
Em parte porque seu principal opositor, a Inglaterra, também estava sob suspeição. No caso da próxima Copa e da Olímpiada de 2016, convém não esquecer que as obras interessam a toda a sociedade, já não se trata de convocar este ou aquele técnico ou atleta, está em jogo o placar nacional contra a corrupção.
De qualquer forma, está desvendada a arma secreta capaz de enquadrar cartolas nacionais e internacionais. Basta derrubar o muro que impede os escândalos esportivos de chegarem às páginas “nobres” como fez Clóvis Rossi com muita coragem.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A Redução do Pensamento à Palavra

O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia-lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeria, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá-lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia.

Clarice Lispector, in "A Maçã no Escuro"

Corrupção na FIFA: Ricardo Teixeira envolvido e Grande Mídia Esconde


Na segunda-feira, a TV Britânica BBC mostrou uma reportagem que revelou que o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, admitiu na Suíça pagamentos de propinas na FIFA, e mais ainda, disse que foi fechado um acordo para impedir a publicação dessas informações pelo tribunal de Zug, Suíça, no caso da ISL, que entre 1989 e 1999 foi a responsável pela venda dos direitos de televisão das copas do mundo. (O vídeo completo em Ingês pode ser visto aqui http://www.sportpost.com/video/view/FIFA+Footballs+Shame++Panorama+BBC )
Esse acordo também passou pelo ex-presidente da FIFA, João Havelange. Teria sido pago em propinas cerca de U$100 milhões.
Quando a ISL quebrou, ela quase levou a FIFA junto. Foi aberto um processo e foi constatado que o pagamento de propinas aconteceu dentro da entidade, e que a empresa de marketing esportivo ISL, era uma empresa laranja para tentar impedir que o esquema de corrupção fosse revelado.
Apesar de comprovado o pagamento de propinas, os depoimentos e culpados foram mantidos em sigilo, porque as partes chegaram num acordo e pagaram, uma multa de U$5,5 milhões. Na Suíça, quando existe um acordo, todos os detalhes do processo são mantidos em sigilo.
No total, o pagamento teria chegado a U$120 milhões durante os anos.
Ricardo Teixeira foi citado em uma CPI no Reino Unido por pedir favores para dar seu voto para a Inglaterra na escolha da sede da Copa de 2018.
Agora a pergunta, por que será que a grande mídia brasileira não noticia esse caso? Aliás noticiou como vocês podem ver aqui http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2011/05/apos-denuncias-blatter-tera-que-depor-ao-comite-executivo-da-fifa.html mas em nenhum momento cita Ricardo Teixeira ou João Havelange, que interessante não?
Seria a grande mídia brasileira um grande meio para mostrar casos de corrupção para os brasileiros? Ou será que só são investigados pela mídia brasileira os que são seus Inimigos?
Aqui está um vídeo do jornalista Andrew Jennings (responsável pela investigação) dando um recado ao povo brasileiro. Link do vídeo aqui.


Fonte: ESPN

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre o amor

Ferreira Gullar


Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.

Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.

O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, anti-burguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento, que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem a traídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma COisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções — e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.

Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos ávidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Essa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura, que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventUra sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério - o assim chamado -, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz — e volta ao bife com fritas.

Mas às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.

A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até o amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tUdo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E no entanto o foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.

Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda­roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tUdo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar­se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.

E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...

Isso dizes agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.

O texto acima foi extraído do livro "A estranha vida banal",  editora José Olympio - 1989, e consta da antologia "As 100 melhores crônicas brasileiras", Editora Objetiva, pág. 279 - Rio de Janeiro - 2005,  organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

PAULO LEMINSKY

A noite - enorme, tudo dorme, menos teu nome.” (Paulo Leminski)
__________________________________________________
"nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
"

o mar o azul o sábado
liguei pro céu
mas dava sempre ocupado

hoje à noite
lua alta
faltei
e ninguém sentiu
a minha falta

meio dia três cores
eu disse vento
e caíram todas as flores




OS CINCO PILARES DA MEMÓRIA

Por volta do ano 500 a.C., na Grécia Clássica, um boxeador chamado Scopas, ao alcançar a mais importante vitória de sua carreira, contratou o poeta Simônides de Ceos para escrever um hino, em seu louvor, que registrasse a conquista e fosse apresentado na festa comemorativa desse feito. Assim aconteceu.
Apontado por alguns como o pai do iluminismo grego, Simônides não era um poeta qualquer. Platão o chamava de "homem sábio e divino " e Gotthold Lessing o intitulou como o "Voltaire grego". Simônides, autor da frase "pintura é poesia silenciosa e poesia é pintura falante" , inspirou as teorias de Kandinsky sobre a relação entre espiritualidade e arte. O pintor russo, mais de dois milenios depois, desenvolveu a idéia do grego e, em seu livro "Do espiritual na Arte ", lançou a proposta de escutar, em um piano interno, a música de cada imagem.
Segundo conta Cícero, quando Scopas percebeu que o poema que havia encomendado tinha dois terços de sua sofisticada retórica louvando os deuses desportistas Castor e Pólux e apenas um terço para o encomendante do poema, se sentiu insultado na alma e declarou que pagaria apenas um terço da quantia combinada, pois entendia que os outros dois terços deveriam ser cobrados dos deuses elogiados pelo poeta.
No banquete desportivo onde o poema foi lido, Simônides foi chamado, no meio da noite, à entrada pelo porteiro, com o apelo de que haveriam dois jovens à porta, querendo falar-lhe com urgência. Ao sair, o poeta não encontrou ninguém lá fora, mas, nesse momento, presenciou o desabar do teto da grande sala o que redundou na morte de todos os convidados. Apenas Simônides, retirado da sala a tempo, fora poupado da tragédia. Diz-se, desde então que os deuses Castor e Pólux pagaram pessoalmente a dívida pela Canção, enquanto Scopas, mesquinho e orgulhoso, foi severamente castigado.
Conta Cícero em sua "Ars Memoriae " que, mais tarde, os familiares dos convidados, querendo enterrar seus parentes falecidos, se viram incapazes de identificá-los entre tantos cadáveres mutilados e desfigurados. Nesse momento, se lembraram de acionar o poeta, o único sobrevivente do incidente e o único que poderia saber a localização dos diversos convidados no derradeiro jantar. Simônides, dono de uma memória visual invejável foi capaz de reconstituir o lugar de cada um no festejo.
Seria a partir dessa reconstituição que Simônides criaria o seu famoso "Teatro da Memória ", uma técnica de memorização que nos permite guardar até seis mil palavras ou números em sequência emocional após uma única escuta.
O primeiro pilar, a meditação, é na verdade o primeiro e o último. O trabalho de potencializar a memória começa e termina com a meditação.No primeiro momento, ela é importante porque regula o sistema endócrino e, principalmente, a produção do hormônio "cortisol" pelas supra-renais. O cortisol é um hormônio produzido pelo corpo, em resposta às situações de estresse. Quando liberado em doses excessivas no sangue (o que acontece na grande maioria das pessoas maiores de idade no ocidente) o cortisol diminui a memória de três maneiras:ele consome a glicose do cérebro e essa, constitui o único alimento das células cerebrais. Assim, quando liberado em quantidade maior que a ideal, ela vai matando as células cerebrais por inanição. Em segundo lugar, o cortisol é uma substância corrosiva, que, aos poucos, consome e sacrifica as ramificações entre os neurônios. Após comer as ramificações dos neurônios, o cortisol passa a consumir o próprio neurônio, criando buracos, muitas vezes irreversíveis nas paredes das células. Por último, o cortisol inibe a ação de importantes neurotransmissores, incluindo a acetilcolina, o mais importante neurotransmissor da memória. A meditação sozinha é suficiente para equilibrar quimicamente o funcionamento do cérebro.
O segundo pilar da memória, a nutrição, é importante no processo regenerativo do que já foi destruído na pessoa. Normalmente quando a pessoa passa a não conseguir mais se lembrar de uma ou duas palavras habituais, que teimam em não vir à sua cabeça quando necessário, ela acha que está começando um processo de declínio mental. Na verdade, quando isso acontece, 90% ou até mais das ramificações nervosas dos neurônios já estão comprometidas. Por esquecer menos de um por cento dos dados, a pessoa deduz que perdeu um por cento da capacidade do cérebro de responder a desafios, mas não é verdade; quando a pessoa perde as primeiras conexões entre as células, as informações que seriam enviadas por ali, passam por outros caminhos auxiliares e a pessoa não percebe que perdeu potencial. Quando ela se dá conta, o processo degenerativo já está bam mais avançado nela. Com algumas sugestões nutricionais, que incluem vitaminas e aminoácidos adequados, a pessoa, após neutralizar a produção de cortisol, é capaz de recuperar a saúde do corpo de cada célula cerebral.
Neste momento entra em cena a respiração, o terceiro pilar. Se a alimentação devolve saúde ao corpo central da célula, através de técnicas respiratórias, é possível ativar e dinamizar as mitocôndrias, os "motores" internos das células, que produzem eletricidade e magnetismo e estimulam o nascimento de novos dendritos, a capilarização nervosa dos neurônios. Com isso, eles ganham a capacidade de estabelecer um sem número de novas conexões, ampliando imensamente a capacidade de memorizar.
Chega então a hora de colocar em prática o quarto pilar, que é constituído pelos exercícios de memorização. Pandit Ramesh me ensinou que essas técnicas eram utilizadas pelos antigos sábios indianos para memorizar os Vedas, livros sagrados daquele país, antes do surgimento da linguagem escrita. Nessa época, uns poucos sábios eram responsáveis por se tornarem uma espécie de biblioteca-viva, que atravessava gerações. É importante notar, que os vedas inteiros são muito volumosos. Não caberiam em uma sala de estar de uma casa comum. Prem Ramesh é um dos poucos guardiães milenares dessa técnica, ainda vivo em Varanasi, na Índia.
E, por fim, chegamos ao quinto pilar, onde são aplicados os exercicios de integração entre os corpos físico, mental e emocional. Essa parte é formada por um conjunto de movimentos que integra a nossa energia, ativa o sistema imunológico, e, reordena o sistema nervoso, equilibrando as funções neuro-vegetativas e criando uma base física não apenas para a memória, mas para reverter a espiral degenerativa pela idade em uma espiral regenerativa.
Esses cinco elementos juntos, não apenas desenvolvem uma memória antes indispensável na pessoa mas, promovem um processo de rejuvenescimento que se manifesta em suas camadas mais superficiais e mais profundas.
Pandite Ramesh me disse que era preciso adaptar essas técnicas para o homem brasileiro quando eu voltasse ao brasil, para torná-las acessíveis e funcionais ao mais simples dos futuros adeptos que delas viessem a usufruir. Foi isso o que fiz. O resultado dessa organização do material herdado é o método "Memória e Rejuvenescimento através da Meditação"- o nome que encontrei para melhor traduzir essas práticas.
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sábado, 11 de junho de 2011

clube da luta

Nos incomodamos com aquilo que somos, e com o que não gostaríamos de ser. Aprendermos com o que há de bom, mesmo no que vem de quem é ruim - pois, em última análise, todos somos ruins! E todos somos Cristo, e nos lamentamos no Getsêmani, e pedimos que o cálice seja afastado, mas ao mesmo tempo o provamos. E somos, todos, crucificados.
Isso nos é mostrado no que negamos, e no que usamos para escapar do que negamos. O que nos é muito próximo, ainda que oposto, nos incomoda. Afinal, sempre é o que deixamos para trás, ou para frente. É o que negamos ter sido, ou querer ser. O outro parece ser eu. E o verdadeiro eu, durante este processo, parece ser outro. E, por melhor ou pior que seja, no outro, por ser um outro, sempre mostrará uma nova solução, uma nova abordagem, uma outra válvula de escape e expressão para o que somos - e se é outra, não é a nossa. E se não estamos bem com a nossa, e há algo ou alguém que, ao mesmo tempo em que é igual, irmão, espelho, é também tão diferente... Vai incomodar.

Nos deram espelhos - e vimos um mundo doente
(Renato Russo)
Supondo que quem aqui esteja já com alguma maturidade para ver coisas fortes, e ver seus valores expostos, é um filme que RECOMENDO sim, e muito! O videoclipe de entrada até poderia (e deveria) ser arrancado, para ser passado em palestras conscienciais ou evolutivas. Você não é sua casa... As palavras são fortes, mas com as cenas, o ritmo, tem um impacto arrasante. Obra prima - a meus olhos leigos - de direção, de profundidade, de exposição das máscaras tão grandes e presentes que construímos verdadeiros personagens violentos em cima delas...
Na abordagem clássica de Freud, temos um inconsciente, que nos puxa para nossos recalques, traumas, desvios. Por outro lado, temos um superego, que puxa para o sentido contrário, superior. No meio desta briga, desta luta entre um e outro, entre o domar o inferior sem se perder nas contradições com o superior, estamos no terceiro, o do meio, o ego que somos nós. E, querendo ou não, uma hora vivenciamos estes pólos - que o digam as sombras dos pedófilos. Como no filme, a negação sucessiva leva o personagem à implosão. E daí, ele só sairá vivenciando.

Só a experiência própria é capaz de tornar sábio o ser humano
(Sigmund Freud)
Começa aí a história do filme, nos recalques, nos três homens em um - o que se nega, o que se queria ser em oposição - e um ser, perdido e em conflito, no meio. O que todos vêem e, na verdade, ninguém vê. O que se processava por dentro vem à tona. E se o que há dentro são conflitos, negações e violências... Este conflito de inconsciente e superego pode não ser pacífico. Inclusive para os outros.

O pensamento é a ação ensaiando
(Sigmund Freud)
E como o que se ensaia vai ao palco, o superego Brad Pitt vai trazendo à tona, de forma quase religiosa, quase neurótica. A neurose bem fundamentada traz filosofias, crenças e máximas que tem a força de um dogma religioso.
"É possível atrever-se a considerar a neurose obsessiva como o correlato patológico da formação de uma religião, descrevendo a neurose como uma forma de religiosidade individual, e a religião como uma neurose obsessiva cultural."
Sigmund Freud; Atos obsessivos e práticas religiosas - 1907
Do mesmo modo, a religião fundamentalista traz em si tantas crenças, filosofias e máximas que só é possível compreendê-la como neurose.

A religião é comparável com uma neurose da infância
(Sigmund Freud)
É verdade...

Nós somos os filhos do meio da história, sem propósito ou lugar.
Não tivemos Grande Guerra, não tivemos Grande Depressão.
Nossa grande guerra é a guerra espiritual, nossa grande depressão é a nossa vida

(Tyler Durden; Clube da Luta)
Jung aperfeiçoou depois os conceitos Freudianos, estendendo este inconsciente - que em Freud era individual - para o akáshico do inconsciente coletivo, adicionando sincronicidades e conceitos quase espirituais, religiões orientais, mitos e arquétipos. Não adianta olhar para fora, apenas. Nem para si só.

O sonho é a tentativa de satisfazer um desejo
(Sigmund Freud)
Mas Jung vai além, e o filme também:

Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta!
(Carl Jung)
Entretanto, embora mais rico, e (ainda bem) menos sexual que Freud, os elementos do conflito estão ali, presentes da psiquê do ego encarnado.
"O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera. Elas se mudam para a casa vizinha e poderão atear o fogo que atingirá sua casa sem que ele perceba. Se abandonarmos, deixarmos de lado, e de algum modo esquecermo-nos excessivamente de algo, corremos o risco de vê-lo reaparecer com uma violência redobrada."
Carl Jung

Será que não vou me libertar de suas regras rígidas?
Será que não vou me libertar de sua arte inteligente?
Será que não vou me libertar dos pecados e do perfeccionismo?
Digo: evolua, mesmo se você desmoronar por dentro

(Clube da luta)
Ou seja, é preciso movimentar. E não adianta fugir. A sombra estará ali, como ensina Jung. Tudo é movimento, como ensinam os hindus. É preciso esvaziar a taça para receber o novo. Ganha quem perde, tudo passa. Mas passa mais rápido para quem não se apega, para quem enfrenta - até um dia descobrir que apenas se enfrenta. Om Namah Shivaya

Somente após uma desgraça conseguirá despertar
Somente depois de perder tudo, poderá fazer o que quiser
Nada é estático
Tudo é movimento
E tudo esta desmoronando
Esta é sua vida
e ela acaba um minuto por vez

(Tyler Durden; Clube da Luta)
É preciso primeiro perder a religião, que em Freud é ainda a oitava inferior (que não pode ser negada, pois não se pode transcender de fato aquilo que não se viveu), o fundamentalismo, o sinônimo de neurose:
"Já uma vez antes, como crianças de tenra idade, nos encontramos em semelhante estado de desamparo, em relação a nossos pais. Tínhamos razões para temê-los, contudo estávamos certos de sua proteção. Com relação à distribuição dos destinos, persiste a desagradável suspeita de que a perplexidade e o desamparo da raça humana não podem ser remediados. Isto justifica o anseio do homem pelo pai e pelos deuses, que mantém sua tríplice missão: exorcizar os terrores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do destino, particularmente a demonstrada pela morte, e compensá-los pelos sofrimentos e privações que a vida lhe impôs. Assim se criou a RELIGIÃO, da necessidade que tem o homem de tolerar o desamparo, e construída com o material das lembranças do desamparo de sua própria infância, na continuação de um protótipo infantil universal."
(Sigmund Freud; O Futuro de uma Ilusão)
E então você não terá mais religião - nem neurose. Neste momento, tudo estará em você:

Deus existiu sempre? Que é sempre?
Deus criou-se a si próprio para depois começar a criar o universo?
Onde é que estava Deus quando se criou a si próprio?
E como é que alguém se cria a si próprio?
Do nada, passando do nada ao ser?
Se o nada existiu, tudo que veio depois estava contido no nada.
Mas se estava contido no nada, então o nada não existia

(José Saramago)
O personagem do Clube da Luta descobre isso, vive a sua neurose como religião, mas sua neurose quase religiosa fala da não-religião quase neurótica:

Aprenda a viver, descanse quando morrer. Tudo que você precisa está dentro de você
(Tyler Durden; Clube da Luta)
Ocorre que, se tudo estiver em você, é necessário uma nova análise, pois "tudo" é muito mais do que disseram que você era. Se tudo está em você, você é Deus, e esta divindade também está em você. Perdemos tudo. Até a fé. E, na descrença, a encontramos.

Quando tudo está perdido, sempre existe uma luz
(Renato Russo) Tyler diz que as coisas que nos pertencem acabam tomando conta de nós. Só depois de perder tudo é que ficamos livres para fazer qualquer coisa
(Tyler Durden; Clube da Luta)
Mas neste momento, só resta o Deus que há em nós.
"E sobrevivi,
Por ser muito mais que o ser fugaz das tramas que criei
Hoje sou muito mais
Do que acharam que eu deveria ser
Sei que estar aberto
É estar bem longe da ferrugem a corroer
Há muito deixei para trás o meu primeiro passo rumo ao infinito
Aonde o vento me levar
Nada nem ninguém me impedirá de experienciar!!!"
(Naviterra; Não Olhar Para Trás)
Após esta negação, sobrevivemos. E, no nada, encontramos o tudo. É hora de uma outra oitava para vivenciar o mesmo religioso, psicológico. Somos mais que um.

Tudo o que aprendi levou-me, passo a passo, a uma inabalável convicção sobre a existência de Deus. Eu só acredito naquilo que sei. E isso elimina a crença. Portanto, não baseio a Sua existência na crença... eu sei (grifo original) que Ele existe
(Carl Jung; Entrevistas e Encontros)
E, mesmo chegando nesta esfera superior, ainda assim a necessidade prática citada por Freud continua presente, como estará presente provavelmente em qualquer outra oitava.

Nenhuma circunstância exterior substitui a experiência interna. E é só à luz dos acontecimentos internos que entendo a mim mesmo. São eles que constituem a singularidade de minha vida
(Carl Jung; Entrevistas e Encontros)
O que era conflito se torna religião, mas é ela quem nos levará para o autoconhecimento, também. Pode ser que arrancar a árvore arraigada ao solo seja traumático - mas apenas onde as raízes forem muito profundas. Afinal, não há nada de errado em ser uma árvore - a não ser quando esta morre e seca a cada dia por agora desejar caminhar. Neste momento, Freud e Jung são aplicáveis. A experiência do filme é sexual também, é violenta também, é de negação do passado também. Com a correta ressalva de que, no fundo, é menos sexual do que parece (a não ser que tenhamos, como sugerido por Jung a respeito de Freud, recalques nesta área, e aí vejamos erros no sexo de todos), e mais COLETIVO do que a ciência cartesiana poderia admitir.
"Freud nunca se interrogou acerca do motivo pelo qual precisava falar continuamente sobre sexo, porque esse pensamento a tal ponto se apoderara dele. Nunca percebeu que a 'monotonia da interpretação' traduzia uma fuga diante de si mesmo ou de outra parte de si que ele teria talvez que chamar de 'mística'. Ora, sem reconhecer esse lado de sua personalidade, era-lhe impossível pôr-se em harmonia consigo mesmo. (...) Ele tornou-se vítima do único lado que podia identificar, e é por isso que o considero uma figura trágica: pois era um grande homem e, o que é principal, tinha o fogo sagrado."
(Carl Jung)
O filme também avança. Neste nível Junguiano, as ilusões do filme começam também a interferir em comunidades. O que era apenas religião pessoal torna-se manifestação arquetípica, passa a ter vida própria. O inconsciente e o super ego não mais se confrontam em quatro paredes, mas se relacionam, convencem os outros, lideram, arregimentam. Afinal, somos todos um só, não somos? O que seria louco até mesmo dentro de nós - se nós nos enxergássemos - passa a ser aceitável em um mundo externo também em busca de identidade. E embora parta do sexual, como na análise Freudiana, o filme aqui começa a trazer intuições, sincronicidades, como se todo um fluxo levasse o personagem ao seu "destino". Somos todos um só, os vários que somos relacionam-se com o coletivo. E se tudo é coincidência, nada mais é coincidência. O filme fica mais Junguiano, coletivo, ao extrapolar os conflitos do ego/eu.

A dialética ego/eu acontece primeiro através do pensamento analítico (reflexão). Quando este se esgota, a energia psíquica reflui do Eu para o Ego. Então nasce uma Intuição
(Carl Jung)
Mas como da tese e da antítese se faz a síntese - como ensinava Marx - o filme vai além do lado "mal e bom" da psicanálise, e se torna de certo modo Gestáltico (matar o pai) ou talvez altamente Lacaniano.
"Não há outra metalinguagem senão todas as formas de canalhice, se designarmos assim as curiosas operações que se deduzem do seguinte: de que o desejo do homem é o desejo do Outro. Toda canalhice repousa nisto, em querer ser o Outro - refiro-me ao grande Outro - de alguém, ali onde se delineiam as figuras em que seu desejo será captado."
(Jacques Lacan)
Afinal, Lacan é também o mal-humorado que, ao não querer "baba-ovos", acaba reverenciando sua origem - sem perceber que se tornara a origem de novos. É o mesmo que, ao matar o mestre que é, acabou por matar o Pai.

Aí, Freud se contradiz. Tudo indica - aí está o sentido do inconsciente - não só que o homem já sabe tudo que tem que saber, mas que esse saber é perfeitamente limitado a esse gozo insuficiente que constitui que ele fale
(Jacques Lacan)
Mas ao contrário da Gestalt, ao mesmo tempo, contraditoriamente descobre que volta, oroboros, ao mestre que teve. E lá está, como sempre, o mesmo Pai, renascido das cinzas como outro animal da mitologia que Jung estudou:

Vocês podem ser Lacanianos, eu sou Freudiano
(Jacques Lacan)
Há muito pré-conceito contra este filme, porque, não sei se você já leu nos sites, é um filme violento; o nome já choca; o videoclipe (sen-sa-cio-nal!!!) de entrada do filme choca ainda mais que o nome; o filme como um todo choca mais e mais ainda que o clipe; as pessoas são despeitadas com o Brad Pitt; cutuca as pessoas na sua luta de ID x Super-ego; questiona valores hipócritas e acomodados, e, mais grave ainda (pasme!): Um maluco já matou gente na sessão deste filme, metralhando vários, no shopping Morumbi!!!
Curioso é que, independente da sessão que ele escolheu para fazer isso ser a do Clube da Luta, na verdade o psicopata em questão simulou, em detalhes, os atos do filme "Pânico" (Este sim um tipo de filme umbralino, não raro mediúnico-negativo). Curiosamente, muito "espiritualista" assiste e gosta - curioso isso de virar a cara para os conscienciais e pegar os de terror, que geram o que a consciência critica, revela e resolve... Mas a sociedade vai torcer o nariz para o Clube da Luta, e locar o Pânico 2, 3 e cia. Assediadores agradecem. Eles também acham esta coisa de questionar, discernir e remover hipocrisias algo "muito violento".
O fato é que quem chegou até aqui, após passar por Humor, Cinema, Consciência, Freud, Jung e Lacan - vendo em tudo uma só coisa - merece sim ver o filme, se ainda não viu. Para você, que conseguiu ler, eu também RECOMENDO.
Afinal, você já sabe que:
"Você abre a porta e entra
Está dentro do seu coração
Imagine que sua dor é uma bola de neve que vai curar você
Esta é sua vida
É a última gota pra você
Melhor do que isso não pode ficar
Esta é sua vida
Que acaba um minuto por vez
Isto não é um seminário
Nem um retiro de fim de semana
De onde você está não pode imaginar como será o fundo
Somente após uma desgraça conseguirá despertar
Somente depois de perder tudo, poderá fazer o que quiser
Nada é estático
Tudo é movimento
E tudo esta desmoronando
Esta é sua vida
Melhor do que isso não pode ficar
Esta é sua vida
E ela acaba um minuto por vez
Você não é um ser bonito e admirável
Você é igual à decadência refletida em tudo
Todos fazendo parte da mesma podridão
Somos o único lixo que canta e dança no mundo
Você não é sua conta bancária
Nem as roupas que usa
Você não é o conteúdo de sua carteira
Você não é seu câncer de intestino
Você não é o carro que dirige
Você não é suas malditas calças
Você precisa desistir
Você precisa saber que vai morrer um dia
Antes disso você é um inútil
Será que serei completo?
Será que nunca ficarei contente?
Será que não vou me libertar de suas regras rígidas?
Será que não vou me libertar de sua arte inteligente?
Será que não vou me libertar dos pecados e do perfeccionismo?
Digo: você precisa desistir
Digo: evolua mesmo se você desmoronar por dentro
Esta é sua vida
Melhor do isso não pode ficar
Esta é sua vida
e ela acaba um minuto por vez
Você precisa desistir
Estou avisando que terá sua chance"

(Tyler Durden; Clube da Luta)

ser supersticioso pode trazer vantagens

Por Nelson S. Lima, do Instituto da Inteligência
Em teoria, não há mal nenhum em ser supersticioso. Você pode acreditar na "lei da atração", por exemplo. Qual é o problema? A probabilidade maior é verificar que é apenas uma crença (eu sei que aqui chegados já temos uma série de leitores a dizer que eu estou errado, que não sou um "iluminado" e ignoro a relação das forças cósmicas com as mentais/espirituais). Mas deixem-me continuar pois não vou acusar nem ofender ninguém. Vou apenas dar uma breve explicação psicológica da superstição e da magia.
Os fundamentos das superstições estão escondidos nos recônditos das nossas memórias biológicas. Somos seres supersiticiosos porque durante milhões de anos fomos forçados a acreditar que forças invisíveis e estranhas coincidências não compreendidas (como os galos cantarem ao nascer do Sol) fazem parte do nosso mundo.
O que é interessante é que as superstições - que são baseadas em sistemas de crenças antigas - podem contribuir para a saúde mental. Sem essas crenças perdemos um sentido de referência e uma sensação de poder sobre diversos acontecimentos. Muitas susperstições são inconscientes. Querem conhecer uma?
Coloque um espectador a acompanhar, ao vivo, um jogo de futebol de sua equipe predileta. É provável que ele siga, com emoção, os diversos lances, grite e gesticule para "dentro do campo" como se estivesse no estádio. Inconscientemente a pessoa "acredita" que pode influenciar a partida. A prova? Se a mesma pessoa ver apenas uma gravação do jogo acontece que ele assiste ao espetáculo com muito mais serenidade, sem gritos nem gestos, pois embora possa não saber o resultado, ele "sabe" que o jogo já aconteceu e já não tem qualquer influência no mesmo. Para quê gritar se o jogo já ocorreu antes?
Na verdade, o pensamento supersticioso - semelhante ao pensamento mágico - baseia-se no chamado "princípio da similitude" defendido pelo antropólogo escocês James Frazer, há cerca de 100 anos. Este princípio diz que se uma ação acontece depois de outra acreditamos espontaneamente que a primeira é a causa da segunda. É o que os psicólogos chamam de "processo pseudo-causal". Assim surgiram os amuletos, as rezas, fazer oferendas a santos, o evitar cruzar-se com gatos pretos, fazer certas coisas em determinadas horas e lugares, etc. Isto é tão forte que até alguns cientistas revelam ser supersticiosos. Conheço um que entra no seu gabinete com a perna direita porque acredita que assim o dia correrá melhor.
A agora famosa "lei da atração" - popularizada pelo livro O SEGREDO - diz que "se quisermos algo com toda a força e crença, o universo ouve-nos e os desejos concretizam-se" mesmo que seja ganhar a lotaria e ficar rico. Acontece, porém, que milhões de leitores chegaram à conclusão que o acreditar não basta, que a "lei da atração" não é uma garantia para nada e que tudo não passou de um embuste que ainda continua a enriquecer muita gente (e quem? os autores que continuam a escrever sobre a matéria). Consideram-se geralmente pessoas "iluminadas" e acusam os céticos de "reles materialistas".
Enfim, as superstições são ingênuas e irracionais, mas a verdade é que os psicólogos estão de acordo quanto ao fato de que elas dão ao homem a sensação de controlar uma situação, mesmo que ilusória. E isto, como afirmou o psicólogo austríaco Gustav Jahoda, "pode contribuir para preservar a integridade do conjunto da personalidade" e talvez tenha contribuído para que a humanidade sobrevivesse a períodos de grandes calamidades (catástrofes em grande escala, epidemias perigosas, etc.).
ANEDÓTICO, MAS REAL:
Os animais também desenvolvem crenças. Numa experiência de laboratório colocou-se um prato vazio a cerca de 2 metros de um ratinho. Dez segundos depois colocava-se comida.
Agora reparem neste pormenor: sempre que o ratinho, na hora de comer, corresse e demorasse menos que 10 segundos pra chegar ao prato, este continuava vazio. Verificou-se que o rato demorava cerca de 2 segundos pra chegar ao prato. Quando isso acontecia, não havia comida. O que aconteceu depois de algumas tentativas e erros por parte do animalzinho?
Ele intuiu que, se fosse logo correr para o prato, não haveria comida. Associou a sua pressa à falta de comida (processo pseudo-causal, uma concepção errônea do princípio da autoridade). O ratinho, tal como os humanos em outras situações, confundia correlação com causalidade, baseado no tal "princípio da similitude" acima focado. Para ele, o fato de correr era o que provocava o "prato vazio". Passou a ir devagar e a demorar 10 segundos convencido que isso é que lhe garantia comida. Pura ilusão. Superstição adquirida.

POST DE SAINDO DA MATRIX

sábado, 28 de maio de 2011

luis bunuel

Luis Buñuel foi um realizador de cinema espanhol, nacionalizado mexicano. Trabalhou com Salvador Dalí, de quem sofreu fortes influências na sua obra surrealista.




A obra cinematográfica de Buñuel, aclamada pela crítica mas sempre cercada por uma aura de escândalo, tornou-o um dos mais controversos cineastas do mundo, sempre fiel a si mesmo. Buñuel também influenciou fortemente a carreira do realizador conterrâneo Pedro Almodovar.



Luis Buñuel Portolés era filho de Leonardo Buñuel González, proprietário abastado que fizera fortuna em Cuba com um negócio de ferragens, e de María Portolés Cerezuela. Pouco depois, a família estabeleceu a sua residência em Saragoça, e só ia a Calanda durante a Semana Santa e nas férias de Verão. Luis era o mais velho de sete irmãos e irmãs, com quem teve uma infância feliz, saudável e despreocupada, em contacto com a rica natureza campestre da sua terra. Teve, desde cedo, uma grande sensibilidade em relação ao inusual e ao extraordinário, e facilmente se encantava com animais, plantas e fenómenos naturais, que observava atentamente, imbuído de uma religiosidade pagã. Foi também na infância que adquiriu um enorme fascínio pela morte, quando inadvertidamente, deparou com um burro putrefacto numa valeta.



Em 1908 viu o seu primeiro filme num cinema de Saragoça. Estudou num colégio de Jesuítas, cuja influência se faria sentir para o resto da sua vida. Com a adolescência, perdeu a fé, tornando-se anti-clerical e ateu, e, em 1915, foi expulso do colégio, tendo terminado os seus estudos secundários no Instituto de Saragoça.



Seus pais, ricos fazendeiros, lhe proporcionaram uma vida muito distanciada da realidade espanhola: estudos de música, verões em São Sebastião e Calanda. Estudou em Zaragoza em São Salvador e fez seus estudos universitários em Madri, na Residência dos Estudantes. Ali teve a oportunidade de embeber-se das correntes culturais e renovadoras do momento (o Jazz, o Darwinismo, o Comunismo...) e de conhecer Dali e Lorca. Licenciou-se em Filosofia e letras ainda que seu objetivo fosse escrever poesia.

Mudou-se para Paris, onde arranjou diversos trabalhos relacionados ao cinema, incluindo um emprego como assistente de Jean Epstein. Interessado pela obra de André Breton e o movimento surrealista, o incorporaran no cinema ao realizar sua obra-prima, "Um cão andaluz" (1928), em colaboração com Salvador Dalí. Em Paris também conheceu sua mulher, a ginasta Jeanne Rucar com quem viveu toda sua vida.

Ao regressar à Espanha não dirigiu nenhum filme, a não ser um documentário: "Terra sem pão" (Las Hurdes Tierra sin Pan, 1932), a cuja produção se dedicou.

Ao estourar a guerra civil na Espanha, emigrou aos Estados Unidos onde trabalhou no Museu de Arte Moderna como dublador para a Warner Bros. A oportunidade de dirigir de novo chegou no México. E ali, com 46 anos começou a realizar filmes de maneira estável pela primeira vez. Filma clássicos como "Os esquecidos" (Los olvidados, 1950), que lhe rendeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes. O prestígio destes filmes lhe deu reconhecimento mundial e no início da década de 1960 o General Franco o convidou a voltar à Espanha. Aí filmou "Viridiana", um manifesto anti-católico que acabou por ser proibido na Espanha acusado de blasfêmia, apesar de ter ganhado a Palma de Ouro também no Festival de Cannes. A partir de então as viagens à Espanha e à França foram constantes. Realizou seus últimos filmes, os mais conhecidos, na França, em colaboração com o produtor Serge Silberman e o escritor Jean-Claude Carrière, entre eles "O discreto charme da burguesia" (Le charme discret de la bourgeoisie, 1972) e "O fantasma da liberdade" (Le fantôme de la liberté, 1974). Faleceu na Cidade do México aos 83 anos de idade.

Diretor

Esse Obscuro Objeto do Desejo 18 #

O Fantasma da Liberdade 49 #

O Discreto Charme da Burguesia 6 #

Tristana, Uma Paixão Mórbida 4 #

A Via Láctea 63 #

A Bela da Tarde 56 #

O Anjo Exterminador 25 #

Viridiana 3 #

Nazarin 0 #

A Morte Neste Jardim 4 #

Ensaio de um Crime 3 #

As Aventuras de Robinson Crusoé 5 #

A Ilusão Viaja de Bonde 2 #

Escravos do Rancor 17 #

Os Esquecidos 0 #

Una mujer sin amor 1 #

O Bruto 2 #

Susana 0 #

A filha do engano 0 #

Gran Casino 6 #

Terra Sem Pão 207 #

Um Cão Andaluz 5 #

Simão do Deserto 0 #

Subida ao céu 1 #

A Adolescente 8 #

O Alucinado 5 #

Diário de uma Camareira 29 #

A Idade do OuroRoteirista em 11 #

Esse Obscuro Objeto do Desejo 18 #

O Fantasma da Liberdade 49 #

O Discreto Charme da Burguesia 6 #

Tristana, Uma Paixão Mórbida 4 #

A Via Láctea 63 #

A Bela da Tarde 56 #

O Anjo Exterminador 25 #

Viridiana 3 #

Nazarin 0 #

A Morte Neste Jardim 4 #

Ensaio de um Crime 3 #

As Aventuras de Robinson Crusoé 2 #

Escravos do Rancor 17 #

Os Esquecidos 0 #

Una mujer sin amor 1 #

O Bruto 2 #

Susana 6 #

Terra Sem Pão 207 #

Um Cão Andaluz 13 #

A Queda da Casa de Usher 5 #

Simão do Deserto 0 #

Subida ao céu 8 #

O Alucinado 5 #

Diário de uma Camareira 29 #

A Idade do OuroProdutor em 6 #

Tristana, Uma Paixão Mórbida 6 #

Terra Sem Pão 207 #

Um Cão Andaluz

Artistas com quem mais trabalhou

Jean-Claude Carrière

Luis Alcoriza

Julio Alejandro

Oscar Dancigers

Fernando Rey

Michel Piccoli

Bernard Musson

Julien Bertheau

Francisco Rabal

Milena Vukotic

AMOR E SEU TEMPO

Amor é privilégio de maduros

estendidos na mais estreita cama,

que se torna a mais larga e mais relvosa,

roçando, em cada poro, o céu do corpo.



É isto, amor: o ganho não previsto,

o prêmio subterrâneo e coruscante,

leitura de relâmpago cifrado,

que, decifrado, nada mais existe



valendo a pena e o preço do terrestre,

salvo o minuto de ouro no relógio

minúsculo, vibrando no crepúsculo.



Amor é o que se aprende no limite,

depois de se arquivar toda a ciência

herdada, ouvida. Amor começa tarde.



Carlos Drummond de Andrade

JOÃO DA CRUZ

Ele nasceu como João de Ypes de Alvares em Fontiveros, Castilha, Espanha e foi criado pela sua mãe após a morte de seu pai, quando ainda era menino. Ele estudou no Colégio Jesuíta em Medina e já era aprendiz com a idade de 15 anos no hospital de Nossa Senhora da Conceição. Em 1563 ele entrou para o Monastério das dos Carmelitas em Medina do Campo e tomou o nome de João de São Mathias, e após o noviciado foi enviado para o monastério Carmelita perto da Universidade de Salamanca. Ele estudou ali de 1564 a 1568 e foi ordenado em 1567.



João sentiu que os Carmelitas estavam com excesso de frouxidão e ele considerou passar para a Ordem mais dura dos Cartuzianos, mas foi dissuadido por Santa Tereza d‘Ávila. Ela logo depois lançava a famosa reforma na Ordem das Carmelitas. João imediatamente conseguiu permissão para aderir ao rígido ascetismo da regra original da ordem e imediatamente se juntou a Santa Teresa em sua causa. Os dois se tornaram bons amigos e eles em pouco tempo estabeleceram o primeiro monastério dos Descalços em Duruelo, adotando ao mesmo tempo o nome de João da Cruz. O resto de sua vida foi devotado a promoção, reformas e escritos. De 1571 ele foi o reitor do monastério em Alcala ,de 1572 a 1577 foi o confessor do convento da Incarnação em Ávila e conseguiu em 1579 a separação das Carmelitas em Carmelitas Calçadas Descalças, duas comunidades separadas, sendo a Segunda com regras bem mais duras. De 1579 a 1582 ele foi o Reitor do Colégio que ele fundou em Baeza e depois Reitor em Granada e Prior em Segovia.



Através dos anos João sofreu grandes provações. Sofreu vários julgamentos e severas oposição às suas reformas mesmo dentro da Ordem, especialmente daqueles frades que recusavam a validade dos Carmelitas Descalços e tramavam intrigas e esquemas contra Santa Tereza d’Ávila e São João da Cruz. Em 1577, por exemplo, ele ficou preso em uma cela no Monastério de Toledo, escapando após nove meses com um corda feita de pedaços de pano e subiu para a liberdade no dia da Festa da Ascensão. Ele se refugiou no Monastério de El Calvário em Andaluzia .



Ele viveu em constante ameaça da Inquisição Espanhola e foi muito maltratado por Nicola Doria eleito superior da Ordem dos Carmelitas Descalços em 1583. A política de Doria era tão cruel que João se opôs a ele no Conselho Geral em 1791. Isto levou a Doria a retirar dele todos os postos e bani-lo para o Monastério de La Peneula, em Andaluzia. João morreu em 14 de dezembro de 1591 no Monastério de Ubeba.



Ele fundou a Ordem dos Hospitaleiros de São João da Cruz destinada a atender os pobres e doentes.



Conhecido como Doutor em Teologia Mística, João era um místico, teólogo e poeta que compôs ricos trabalhos onde encontramos profundas expressões místicas em tratados, em forma de poemas com comentários teológicos. Estes renomados poemas incluem o "Cântico Espiritual ", "Ascensão ao Monte Carmel", "Chama de Amor" e "Noite Sombria da Alma". Através destes trabalhos João apresenta o desenvolvimento da alma humana através da purgação, iluminação e união com Jesus. Ele permanece um dos mais expressivos e profundos teólogos místicos da historia da Igreja. Foi beatificado em 1675, canonizado em 1726 pelo Papa Benedito XIII e declarado Doutor da Igreja em 1926 pelo Papa Pio XI.



Sua festa é celebrada no dia 14 de dezembro.

Escrito por Robert Graves, para o livro "Os Sufis", de Idries Shah

Os sufis são uma antiga maçonaria espiritual cujas origens nunca foram traçadas nem datadas; nem eles mesmos se interessam muito por esse tipo de pesquisa, contentando-se em mostrar a ocorrência da sua maneira de pensar em diferentes regiões e períodos. Conquanto sejam, de ordinário, erroneamente tomados por uma seita muçulmana, os sufis sentem-se à vontade em todas as religiões: exatamente como os "pedreiros-livres e aceitos", abrem diante de si, em sua loja, qualquer livro sagrado - seja a Bíblia, seja o Corão, seja a Torá - aceito pelo Estado temporal. Se chamam ao islamismo a "casca" do sufismo, é porque o sufismo, para eles, constitui o ensino secreto dentro de todas as religiões. Não obstante, segundo Ali el-Hujwiri, escritor sufista primitivo e autorizado, o próprio profeta Maomé disse: "Aquele que ouve a voz do povo sufista e não diz aamin (amém) é lembrado na presença de Deus como um dos insensatos". Numerosas outras tradições o associam aos sufis, e foi em estilo sufista que ele ordenou a seus seguidores que respeitassem todos os "Povos do Livro", referindo-se dessa maneira aos povos que respeitavam as próprias escrituras sagradas - expressão usada mais tarde para incluir os zoroastrianos.



Tampouco são os sufis uma seita, visto que não acatam nenhum dogma religioso, por mais insignificante que seja, nem se utilizam de nenhum local regular de culto. Não têm nenhuma cidade sagrada, nenhuma organização monástica, nenhum instrumento religioso. Não gostam sequer que lhes atribuam alguma designação genérica que possa constrangê-los à conformidade doutrinária. "Sufi" não passa de um apelido, como "quacre", que eles aceitam com bom humor. Referem-se a si mesmos como "nós amigos" ou "gente como nós", e reconhecem-se uns aos outros por certos talentos, hábitos ou qualidades de pensamento naturais. As escolas sufistas reuniram-se, com efeito, à volta de professores particulares, mas não há graduação, e elas existem apenas para a conveniência dos que trabalham com a intenção de aprimorar os estudos pela estreita associação com outros sufis. A assinatura sufista característica encontra-se numa literatura amplamente dispersa desde, pelo menos, o segundo milênio antes de Cristo, e se bem o impacto óbvio dos sufis sobre a civilização tenha ocorrido entre o oitavo e o décimo oitavo séculos, eles continuam ativos como sempre. O seu número chega a uns cinqüenta milhões. O que os torna um objeto tão difícil de discussão é que o seu reconhecimento mútuo não pode ser explicado em termos morais ou psicológicos comuns - quem quer que o compreenda é um sufi. Posto que se possa aguçar a percepção dessa qualidade secreta ou desse instinto pelo íntimo contato com sufis experientes, não existem graus hierárquicos entre eles, mas apenas o reconhecimento geral, tácito, da maior ou menor capacidade de um colega.



O sufismo adquiriu um sabor oriental por ter sido por tanto tempo protegido pelo islamismo, mas o sufi natural pode ser tão comum no Ocidente como no Oriente, e apresentar-se vestido de general, camponês, comerciante, advogado, mestre-escola, dona-de-casa, ou qualquer outra coisa. "Estar no mundo mas não ser dele", livre da ambição, da cobiça, do orgulho intelectual, da cega obediência ao costume ou do respeitoso temor às pessoas de posição mais elevada - tal é o ideal do sufi.



Os sufis respeitam os rituais da religião na medida em que estes concorrem para a harmonia social, mas ampliam a base doutrinária da religião onde quer que seja possível e definem-lhe os mitos num sentido mais elevado - por exemplo, explicando os anjos como representações das faculdades superiores do homem. Oferecem ao devoto um "jardim secreto" para o cultivo da sua compreensão, mas nunca exigem dele que se torne monge, monja ou eremita, como acontece com os místicos mais convencionais; e mais tarde, afirmam-se iluminados pela experiência real - "quem prova, sabe" - e não pela discussão filosófica. A mais antiga teoria de evolução consciente que se conhece é de origem sufista, mas embora muito citada por darwinianos na grande controvérsia do século XIX, aplica-se mais ao indivíduo do que à raça. O lento progresso da criança até alcançar a virilidade ou a feminilidade figura apenas como fase do desenvolvimento de poderes mais espetaculares, cuja força dinâmica é o amor, e não o ascetismo nem o intelecto.



A iluminação chega com o amor - o amor no sentido poético da perfeita devoção a uma musa que, sejam quais forem as crueldades aparentes que possa cometer, ou por mais aparentemente irracional que seja o seu comportamento, sabe o que está fazendo. Raramente recompensa o poeta com sinais expressos do seu favor, mas confirma-lhe a devoção pelo seu efeito revivificante sobre ele. Assim, Ibn El-Arabi (1165-1240), um árabe espanhol de Múrcia, que os sufis denominam o seu poeta maior, escreveu no Tarju-man el-Ashwaq (o intérprete dos desejos):



"Se me inclino diante dela como é do meu dever E se ela nunca retribui a minha saudação Terei, acaso, um justo motivo de queixa? A mulher formosa a nada é obrigada"



Esse tema de amor foi, posteriormente, usado num culto extático da Virgem Maria, a qual, até o tempo das Cruzadas, ocupara uma posição sem importância na religião cristã. A maior veneração que ela recebe hoje vem precisamente das regiões da Europa que caíram de maneira mais acentuada sob a influência sufista.



Diz de si mesmo, Ibn El-Arabi:



"Sigo a religião do Amor.

Ora, às vezes, me chamam

Pastor de gazelas [divina sabedoria]

Ora monge cristão,

Ora sábio persa.

Minha amada são três -

Três, e no entanto, apenas uma;

Muitas coisas, que parecem três,

Não são mais do que uma.

Não lhe dêem nome algum,

Como se tentassem limitar alguém

A cuja vista

Toda limitação se confunde"



Os poetas foram os principais divulgadores do pensamento sufista, ganharam a mesma reverência concedida aos ollamhs, ou poetas maiores, da primitiva Irlanda medieval, e usavam uma linguagem secreta semelhante, metafórica, constituída de criptogramas verbais. Escreve Nizami, o sufi persa: "Sob a linguagem do poeta jaz a chave do tesouro". Essa linguagem era ao mesmo tempo uma proteção contra a vulgarização ou a institucionalização de um hábito de pensar apropriado apenas aos que o compreendiam, e contra acusações de heresia ou desobediência civil. Ibn El-Arabi, chamado às barras de um tribunal islâmico de inquisição em Alepo, para defender-se da acusação de não-conformismo, alegou que os seus poemas eram metafóricos, e sua mensagem básica consistia no aprimoramento do homem através do amor a Deus. Como precedente, indicava a incorporação, nas Escrituras judaicas, do Cântico erótico de Salomão, oficialmente interpretado pelos sábios fariseus como metáfora do amor de Deus a Israel, e pelas autoridades católicas como metáfora do amor de Deus à Igreja.



Em sua forma mais avançada, a linguagem secreta emprega raízes consonantais semíticas para ocultar e revelar certos significados; e os estudiosos ocidentais parecem não ter se dado conta de que até o conteúdo do popular "As mil e uma noites" é sufista, e que o seu título árabe, Alf layla wa layla, é uma frase codificada que lhe indica o conteúdo e a intenção principais: "Mãe de Lembranças". Todavia, o que parece, à primeira vista, o ocultismo oriental é um antigo e familiar hábito de pensamento ocidental. A maioria dos escolares ingleses e franceses começam as lições de história com uma ilustração de seus antepassados druídicos arrancando o visco de um carvalho sagrado. Embora César tenha creditado aos druidas mistérios ancestrais e uma linguagem secreta - o arrancamento do visco parece uma cerimônia tão simples, já que o visco é também usado nas decorações de Natal -, que poucos leitores se detêm para pensar no que significa tudo aquilo. O ponto de vista atual, de que os druidas estavam, virtualmente, emasculando o carvalho, não tem sentido.



Ora, todas as outras árvores, plantas e ervas sagradas têm propriedades peculiares. A madeira do amieiro é impermeável à água, e suas folhas fornecem um corante vermelho; a bétula é o hospedeiro de cogumelos alucinógenos; o carvalho e o freixo atraem o relâmpago para um fogo sagrado; a raiz da mandrágora é antiespasmódica. A dedaleira fornece digitalina, que acelera os batimentos cardíacos; as papoulas são opiatos; a hera tem folhas tóxicas, e suas flores fornecem às abelhas o derradeiro mel do ano. Mas os frutos do visco, amplamente conhecidos pela sabedoria popular como "panacéia", não têm propriedades medicinais, conquanto sejam vorazmente comidos pelos pombos selvagens e outros pássaros não-migrantes no inverno. As folhas são igualmente destituídas de valor; e a madeira, se bem que resistente, é pouco utilizada. Por que, então, o visco foi escolhido como a mais sagrada e curativa das plantas? A única resposta talvez seja a de que os druidas o usavam como emblema do seu modo peculiar de pensamento. Essa árvore não é uma árvore, mas se agarra igualmente a um carvalho, a uma macieira, a uma faia e até a um pinheiro, enverdece, alimenta-se dos ramos mais altos quando o resto da floresta parece adormecido, e a seu fruto se atribui o poder de curar todos os males espirituais. Amarrados à verga de uma porta, os ramos do visco são um convite a beijos súbitos e surpreendentes. O simbolismo será exato se pudermos equiparar o pensamento druídico ao pensamento sufista, que não é plantado como árvore, como se plantam as religiões, mas se auto-enxerta numa árvore já existente; permanece verde, embora a própria árvore esteja adormecida, tal como as religiões são mortas pelo formalismo; e a principal força motora do seu crescimento é o amor, não a paixão animal comum nem a afeição doméstica, mas um súbito e surpreendente reconhecimento do amor, tão raro e tão alto que do coração parecem brotar asas. Por estranho que pareça, a Sarça Ardente em que Deus apareceu a Moisés no deserto, supõem agora os estudiosos da Bíblia, era uma acácia glorificada pelas folhas vermelhas de um locanthus, o equivalente oriental do visco.



Talvez seja mais importante o fato de que toda a arte e a arquitetura islâmicas mais nobres são sufistas, e que a cura, sobretudo dos distúrbios psicossomáticos, é diariamente praticada pelos sufis hoje em dia como um dever natural de amor, conquanto só o façam depois de haverem estudado, pelo menos, doze anos. Os ollamhs, também curadores, estudavam doze anos em suas escolas das florestas. O médico sufista não pode aceitar nenhum pagamento mais valioso do que um punhado de cevada, nem impor sua própria vontade ao paciente, como faz a maioria dos psiquiatras modernos; mas, tendo-o submetido a uma hipnose profunda, ele o induz a diagnosticar o próprio mal e prescrever o tratamento. Em seguida, recomenda o que se há de fazer para impedir uma recorrência dos sintomas, visto que o pedido de cura há de provir diretamente do paciente e não da família nem dos que lhe querem bem.



Depois de conquistadas pelos sarracenos, a partir do século VIII d.C, a Espanha e a Sicília tornaram-se centros de civilização muçulmana renomados pela austeridade religiosa. Os letrados do norte, que acudiram a eles com a intenção de comprar obras árabes a fim de traduzi-las para o latim, não se interessavam, contudo, pela doutrina islâmica ortodoxa, mas apenas pela literatura sufista e por tratados científicos ocasionais. A origem dos cantos dos trovadores - a palavra não se relaciona com trobar, (encontrar), mas representa a raiz árabe TRB, que significa "tocador de alaúde" - é agora autorizadamente considerada sarracena. Apesar disso, o professor Guillaume assinala em "O legado do Islã" que a poesia, os romances, a música e a dança, todos especialidades sufistas, não eram mais bem recebidas pelas autoridades ortodoxas do Islã do que pelos bispos cristãos. Árabes, na verdade, embora fossem um veículo não só da religião muçulmana mas também do pensamento sufista, permaneceram independentes de ambos.



Em 1229 a ilha de Maiorca foi capturada pelo rei Jaime de Aragão aos sarracenos, que a haviam dominado por cinco séculos. Depois disso, ele escolheu por emblema um morcego, que ainda encima as armas de Palma, a nossa capital. Esse morcego emblemático me deixou perplexo por muito tempo, e a tradição local de que representa "vigilância" não me pareceu uma explicação suficiente, porque o morcego, no uso cristão, é uma criatura aziaga, associada à bruxaria. Lembrei-me, porém, de que Jaime I tomou Palma de assalto com a ajuda dos Templários e de dois ou três nobres mouros dissidentes, que viviam alhures na ilha; de que os Templários haviam educado Jaime em le bon saber, ou sabedoria; e de que, durante as Cruzadas, os Templários foram acusados de colaboração com os sufis sarracenos. Ocorreu-me, portanto, que "morcego" poderia ter outro significado em árabe, e ser um lembrete para os aliados mouros locais de Jaime, presumivelmente sufis, de que o rei lhes estudara as doutrinas.



Escrevi para Idries Shah Sayed, que me respondeu:





"A palavra árabe que designa o morcego é KHuFFaasH, proveniente da raiz KH-F-SH. Uma segunda acepção dessa raiz é derrubar, arruinar, calcar aos pés, provavelmente porque os morcegos freqüentam prédios em ruínas. O emblema de Jaime, desse modo, era um simples rébus que o proclamava "o Conquistador", pois ele, na Espanha, era conhecido como "El rey Jaime, Rei Conquistador". Mas essa não é a história toda. Na literatura sufista, sobretudo na poesia de amor de Ibn El-Arabi, de Múrcia, disseminada por toda a Espanha, "ruína" significa a mente arruinada pelo pensamento impenitente, que aguarda reedificação.

O outro único significado dessa raiz é "olhos fracos, que só enxergam à noite". Isso pode significar muito mais do que ser cego como um morcego. Os sufis referem-se aos impenitentes dizendo-os cegos à verdadeira realidade; mas também a si mesmos dizendo-se cegos às coisas importantes para os impenitentes. Como o morcego, o sufi está cego para as "coisas do dia" - a luta familiar pela vida, que o homem comum considera importantíssima - e vela enquanto os outros dormem. Em outras palavras, ele mantém desperta a atenção espiritual, adormecida em outros. Que "a humanidade dorme num pesadelo de não-realização" é um lugar-comum da literatura sufista. Por conseguinte, a sua tradição de vigilância, corrente em Palma, como significado de morcego, não deve ser desprezada."





A absorção no tema do amor conduz ao êxtase, sabem-no todos os sufis. Mas enquanto os místicos cristãos consideram o êxtase como a união com Deus e, portanto, o ponto culminante da consecução religiosa, os sufis, só lhe admitem o valor se ao devoto for facultado, depois do êxtase, voltar ao mundo e viver de forma que se harmonize com sua experiência.



Os sufis insistiram sempre na praticabilidade do seu ponto de vista. A metafísica, para eles, é inútil sem as ilustrações práticas do comportamento humano prudente, fornecidas pelas lendas e fábulas populares. Os cristãos se contentame em usar Jesus como o exemplar perfeito e final do comportamento humano. Os sufis, contudo, ao mesmo tempo que o reconhecem como profeta divinamente inspirado, citam o texto do quarto Evangelho: "Eu disse: Não está escrito na vossa Lei que sois deuses?" - o que significa que juizes e profetas estão autorizados a interpretar a lei de Deus - e sustenta que essa quase divindade deveria bastar a qualquer homem ou mulher, pois não há deus senão Deus. Da mesma forma, eles recusaram o lamaísmo do Tibete e as teorias indianas da divina encarnação; e posto que acusados pelos muçulmanos ortodoxos de terem sofrido a influência do cristianismo, aceitam o Natal apenas como parábola dos poderes latentes no homem, capazes de apartá-lo dos seus irmãos não-iluminados. De idêntica maneira, consideram metafóricas as tradições sobrenaturais do Corão, nas quais só acreditam literalmente os não-iluminados. O Paraíso, por exemplo, não foi, dizem eles, experimentado por nenhum homem vivo; suas huris (criaturas de luz) não oferecem analogia com nenhum ser humano e não se deviam imputar-lhes atributos físicos, como acontece na fábula vulgar.



Abundam exemplos, em toda a literatura européia, da dívida para com os sufis. A lenda de Guilherme Tell já se encontrava em "A conferência dos pássaros", de Attar (séc. XII), muito antes do seu aparecimento na Suíça. E, embora dom Quixote pareça o mais espanhol de todos os espanhóis, o próprio Cervantes reconhece sua dívida para com uma fonte árabe. Essa imputação foi posta de lado, como quixotesca, por eruditos; mas as histórias de Cervantes seguem, não raro, as de Sidi Kishar, lendário mestre sufista às vezes equiparado a Nasrudin, incluindo o famoso incidente dos moinhos (aliás de água, e não de vento) tomados equivocadamente por gigantes. A palavra espanhola Quijada (verdadeiro nome do Quixote, de acordo com Cervantes) deriva da mesma raiz árabe KSHR de Kishar, e conserva o sentido de "caretas ameaçadoras".



Os sufis muçulmanos tiveram a sorte de proteger-se das acusações de heresia graças aos esforços de El-Ghazali (1051-1111), conhecido na Europa por Algazel, que se tornou a mais alta autoridade doutrinária do islamismo e conciliou o mito religioso corânico com a filosofia racionalista, o que lhe valeu o título de "Prova do Islamismo". Entretanto, eram freqüentemente vítimas de movimentos populares violentos em regiões menos esclarecidas, e viram-se obrigados a adotar senhas e apertos de mão secretos, além de outros artifícios para se defenderem.



Embora o frade franciscano Roger Bacon tenha sido encarado com respeitoso temor e suspeita por haver estudado as "artes negras", a palavra "negra" não significa "má". Trata-se de um jogo de duas raízes árabes, FHM e FHHM, que se pronunciam fecham e facham, uma das quais significa "negro" e a outra "sábio". O mesmo jogo ocorre nas armas de Hugues de Payns (dos pagãos), nascido em 1070 ,que fundou a Ordem dos Cavaleiros Templários: a saber, três cabeças pretas, blasonadas como se tivessem sido cortadas em combate, mas que, na realidade, denotam cabeças de sabedoria.



"Os sufis são uma antiga maçonaria espiritual..." De fato, a própria maçonaria começou como sociedade sufista. Chegou à Inglaterra durante o reinado do rei Aethelstan (924-939) e foi introduzida na Escócia disfarçada como sendo um grupo de artesãos no princípio do século XIV, sem dúvida pelos Templários. A sua reformação, na Londres do início do século XVIII, por um grupo de sábios protestantes, que tomaram os termos sarracenos por hebraicos, obscureceu-lhes muitas tradições primitivas. Richard Burton, tradutor das "Mil e uma noites", ao mesmo tempo maçom e sufi, foi o primeiro a indicar a estreita relação entre as duas sociedades, mas não era tão versado que compreendesse que a maçonaria começara como um grupo sufista. Idries Shah Sayed mostra-nos agora que foi uma metáfora para a "reedificação", ou reconstrução, do homem espiritual a partir do seu estado de decadência; e que os três instrumentos de trabalho exibidos nas lojas maçônicas modernas representam três posturas de oração. "Buizz" ou "Boaz" e "Salomão, filho de Davi", reverenciados pelos maçons como construtores do Templo de Salomão em Jerusalém, não eram súditos israelitas de Salomão nem aliados fenícios, como se supôs, senão arquitetos sufistas de Abdel-Malik, que construíram o Domo da Rocha sobre as ruínas do Templo de Salomão, e seus sucessores. Seus verdadeiros nomes incluíam Thuban abdel Faiz "Izz", e seu "bisneto", Maaruf, filho (discípulo) de Davi de Tay, cujo nome sufista em código era Salomão, por ser o "filho de Davi". As medidas arquitetônicas escolhidas para esse templo, como também para o edifício da Caaba em Meca, eram equivalentes numéricos de certas raízes árabes transmissoras de mensagens sagradas, sendo que cada parte do edifício está relacionada com todas as outras, em proporções definidas.



De acordo com o princípio acadêmico inglês, o peixe não é o melhor professor de ictiologia, nem o anjo o melhor professor de angelologia. Daí que a maioria dos livros modernos e artigos mais apreciados a respeito do sufismo sejam escritos por professores de universidades européias e americanas com pendores para a história, que nunca mergulharam nas profundezas sufistas, nunca se entregaram às extáticas alturas sufistas e nem sequer compreendem o jogo poético de palavras pérseo-arábicas. Pedi a Idries Shah Sayed que remediasse a falta de informações públicas exatas, ainda que fosse apenas para tranqüilizar os sufis naturais do Ocidente, mostrando-lhes que não estão sós em seus hábitos peculiares de pensamento, e que as suas intuições podem ser depuradas pela experiência alheia. Ele consentiu, embora consciente de que teria pela frente uma tarefa muito difícil. Acontece que Idries Shah Sayed, descendente, pela linha masculina, do profeta Maomé, herdou os mistérios secretos dos califas, seus antecessores. É, de fato, um Grande Xeque da Tariqa (regra) sufista, mas como todos os sufis são iguais, por definição, e somente responsáveis perante si mesmos por suas consecuções espirituais, o título de "xeque" é enganoso. Não significa "chefe", como também não significa o "chefe de fila", velho termo do exército para indicar o soldado postado diante da companhia durante uma parada, como exemplo de exercitante militar.



A dificuldade que ele previu é que se deve presumir que os leitores deste livro tenham percepções fora do comum, imaginação poética, um vigoroso sentido de honra, e já ter tropeçado no segredo principal, o que é esperar muito. Tampouco deseja ele que o imaginem um missionário. Os mestres sufistas fazem o que podem para desencorajar os discípulos e não aceitam nenhum que chegue "de mãos vazias", isto é, que careça do senso inato do mistério central. O discípulo aprende menos com o professor seguindo a tradição literária ou terapêutica do que vendo-o lidar com os problemas da vida cotidiana, e não deve aborrecê-lo com perguntas, mas aceitar, confiante, muita falta de lógica e muitos disparates aparentes que, no fim, acabarão por ter sentido. Boa parte dos principais paradoxos sufistas está em curso em forma de histórias cômicas, especialmente as que têm por objeto o Kboja (mestre-escola) Nasrudin, e ocorrem também nas fábulas de Esopo, que os sufis aceitam como um dos seus antepassados.



O bobo da corte dos reis espanhóis, com sua bengala de bexiga, suas roupas multicoloridas, sua crista de galo, seus guizos tilintantes, sua sabedoria singela e seu desrespeito total pela autoridade, é uma figura sufista. Seus gracejos eram aceitos pelos soberanos como se encerrassem uma sabedoria mais profunda do que os pareceres solenes dos conselheiros mais idosos. Quando Filipe II da Espanha estava intensificando sua perseguição aos judeus, decidiu que todo espanhol que tivesse sangue judeu deveria usar um chapéu de certo formato. Prevendo complicações, o bobo apareceu na mesma noite com três chapéus. "Para quem são eles, bobo?", perguntou Filipe. "Um é para mim, tio, outro para ti e outro para o inquisidor-mor". E como fosse verdade que numerosos fidalgos medievais espanhóis haviam contraído matrimônio com ricas herdeiras judias, Filipe, diante disso, desistiu do plano. De maneira muito semelhante, o bobo da corte de Carlos I, Charlie Armstrong (outrora ladrão de carneiros escocês), que o rei herdara do pai, tentou opor-se à política da Igreja arminiana do arcebispo Laud, que parecia destinada a redundar num choque armado com os puritanos. Desdenhoso, Carlos pedia a Charlie seu parecer sobre política religiosa, ao que o bobo lhe respondeu: "Entoe grandes louvores a Deus, tio, e pequenas laudes ao Diabo". Laud, muito sensível à pequenez do seu tamanho, conseguiu que expulsassem Charlie Armstrong da corte (o que não trouxe sorte alguma ao amo).