domingo, 16 de novembro de 2008

DISCUSSÕES


Não é à toa que dogma tem nome que lembra cachorro. Dos grandes. Enquanto estão discutindo religião, duas pessoas nada mais fazem do que jogar lagartixas uma na outra – às vezes provocando cosquinha no oponente, às vezes nojo, às vezes calafrio. Quando o estoque de lagartixas de uma delas acaba e ela nota que na mão da outra ainda tem um monte de rabinho branquelo se sacudindo por entre os dedos, ela abre a grade do pitbull salivante e: “isca, Dogma!"

Já sofisma é nome de enguia. Ficam os dois contendores, dentro de uma pequena piscina de plástico, discutindo política internacional – ou seja, soprando água no olho um do outro. Quando a brincadeira perde a graça um deles, sem avisar, joga uma enguia nas mãos do interlocutor, que agarra no susto, leva um choque elétrico e perde a fala. O outro acha que com aquele sofisma ganhou a discussão, mas repara que o contendor, com o choque, fez xixi na piscina – e aí sai da água fazendo careta e dizendo que o outro apelou.

Argumentos sólidos, o nome já diz, diferem dos argumentos líquidos porque bóiam. Quando presenciamos uma discussão sobre economia e observamos ambos os lados trocando argumentos sólidos, a coisa vai feder. Ah, e aqui não tem problema faltarem argumentos: geralmente cada lado acaba arremessando de volta o que recebe.

Ah, sim, as meias-verdades. Me sinto tentado a dizer que são meias femininas, deliciosamente transparentes como, óbvio, a verdade (seriam, em sua maioria, meias-verdades sete oitavos, o que no fim das contas resulta em 0,43 da verdade, na verdade uma quase meia-verdade inteira). Mas sou obrigado a revelar que meias-verdades não passam de frases duras, judiciosas e precisas, usadas em discussões filosóficas, e ditas na cara do inimigo – mas só pela metade. É que a partir daí pensa-se melhor e fica-se sem graça de deixar o contendor constrangido. É o tal pendor conciliatório, verdadeira praga dos trópicos.

Hã? Por que a metáfora sobre os sofismas lá na piscina não se aplica à política brasileira? Porque em política brasileira não importa quem joga a enguia, e sim de quanto em quanto tempo você troca de lado na piscina.


 Nelson Moraes 

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