quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pessoas chocantes




Pessoa chocante não é a que tem por mau costume chocar as outras pessoas. É a que persiste no vício enclausurante de não chocar a si mesma, dando á luz ou ao novo que tem o dever de fazer aflorar em si. Hácriaturas (bípedes pensantes) cujas vidas entram em paralisia de pântano. Sua estagnação vem da recusa em chocar a vida nova, enclausurada na casca de ovo que são – e toda criatura o é, em um sentido simbólico.

Recusar-se a romper as estruturas do medo de viver é manter-se em morte viva de normose ou mesmice. Não irromper da rigidez para o movimento, permanecer em antecipado rigor mortis, antes de passar pela leveza permeável e flexível das crianças, é uma forma de antecipar em nós os poderes da morte. Significa enclausurar-se em caverna escura, de onde nada sai, e onde nada penetra.

Não sair do ovo, temendo os perigos do mundo, é retroagir a ave futura em ovo goro – por medo ou pirraça mantendo a si mesmo como sub-ser cavernoso – milagre falhado, sem serventia para os outros, desprovido de futuro para o mundo – para que foi nascido – e até para si mesmo demitido de sentido.

A vida enxota os que entulham os seus caminhos. Viver é colocar-se em marcha – não estancar o fluxo do eterno movimento de tudo o que vive. Pois, nesta vida, segundo Heráclito, tudo muda o tempo todo. Só a mudança não muda nunca. Vida é movimento. Quanto mais muda um ser humano, mais vitamina a si mesmo. Se for artista, ao conceber uma divina canção, abraça a si mesmo, na intenção universal de abraçar o mundo.

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