terça-feira, 14 de julho de 2009

E COMO TENHO....E COMO

Os diversos tipos de saudade


Todo mundo fala em saudade, e nós brasileiros adoramos dizer que saudade é uma palavra que não existe em várias línguas (e realmente, “I miss you”, ou “je te manque” estão longe de expressar, exprimir o nosso “tô com saudades”).

Só que as saudades que nós sentimos têm variações; pelo menos pra mim, existem as saudades boas e as ruins, as nostálgicas resignadas, e as doídas. E só quem já sentiu cada uma delas sabe diferenciar uma da outra né?

Quando eu penso em saudades, lembro de uma música do Luiz Gonzaga maravilhosa regravada pelo Gilberto Gil, chamada “Qui nem jiló” (ouçam no blipfm clicando aqui). Olha só um trechinho dela:

Se a gente lembra só por lembrar

O amor que a gente um dia perdeu
Saudade inté que assim é bom
Pro cabra se convencer que é feliz sem saber
Pois não sofreu
Porém se a gente vive a sonhar
Com alguém que se deseja rever
Saudade, entonce aí é ruim
[...]
Saudade assim faz doer e amarga qui nem jiló

Eu adoro a letra dessa música (acho o Luiz Gonzaga o máximo, aliás), daquelas que a gente para pra pensar no que o cara falou sabem?

Por exemplo, quando fala da saudade que a gente “lembra só por lembrar”, o Luiz Gonzaga diz que ela é boa, porque não se está sofrendo. Eu já acho que não é beeeem assim. Sim, pois há casos em que não se sofreu mesmo, e há casos em que se sofreu sim senhor, e como! – só que não se está sofrendo mais, e as saudades então nos dão uma nostalgia gostosa. Mas só são capazes de enxergar esse viés, só têm capacidade de sentir esse tipo de saudade as pessoas que conseguem não guardar mágoa e rancor: vc lembra das coisas boas, dá aquela saudadinha gostosa, mas ela não dói justamente porque vc não pensa (ou não quer) viver aquilo de novo; vc sabe que já foi, que faz parte do passado, e que é bom que seja assim (afinal tem tanta coisa pra gente viver…). Normalmente a gente sente esse tipo de saudade de de épocas boas da vida, de lugares em que se viveu, de viagens feitas, de pessoas amigas que perdemos o contato, etc (amores passados precisam de uma dose maior de compreensão e desprendimento, mas também rola).

Mas tem o outro lado da moeda né? Aliás, achei, enquanto dava uma fuçada na internet pra escrever esse texto, uma frase muito interessante no blog Azul Cobalto:

A saudade é um bicho. Pode fazer-se dele um animal de companhia ou uma fera imprevisível e de difícil doma. Em qualquer dos casos a trela deve andar sempre curta e firme porque sem saudade os bichos somos nós. E, se nos arranhar, há que lamber rápido para apanhar ainda o sabor da ferida fresca”.

Para usar a comparação utilizada no texto, a saudade domada é a boa, a que eu me referi lá em cima. A indômita (ou o outro lado da moeda da saudade “boa”), é aquela saudade doída, a dor da falta que a pessoa (ou um lugar, ou um grupo de pessoas ou uma época da sua vida) faz – e no entanto, vc sabe que não tem a menor possibilidade de rever aquela pessoa, reviver aquele sentimento ou então reviver aquela época da vida. É doído justamente porque vc ainda não se acostumou com a idéia de que algumas coisas não vão mais se repetir, não vão mais acontecer – só que vc não queria que fosse assim. Saudade doída sempre tem angústia e frustração dentro dela.

Mas ainda não falei da melhor e mais gostosa das saudades, a saudade boa meesmo: aquela com data pra terminar, aquela que a gente pode matar, aquela que a gente sabe que vai matar.

A diferença entre a saudade “doída” e esta última é praticamente a diferença entre gula e fome: enquanto a saudade que eu chamei de doída é quase um estado famélico, a saudade que a gente pode matar é aquela vontade de comer um doce no fim de semana depois da semana de dieta sabe? Sorte daqueles que têm o privilégio de senti-la.

Tem também um outro tipo de saudades, que eu julgo ser disparado o pior tipo delas: a saudade do que não aconteceu, a saudade do que não foi vivido; aquilo que Manuel Bandeira tão bem definiu como ” A vida inteira que poderia ter sido e não foi”; aquela vida que Fernando Pessoa, angustiado, perguntou um dia : “quem escreverá a história do que poderia ter sido?”.

Ah, essa saudade…não tem tempo no mundo que faça passar…

O segredo está em fazer com que, apesar de doída, ela não infeccione; está em aprender a conviver com ela, e aceitá-la como parte de nós. Está em dar um espaço para ela existir, ao invés de sufocá-la e fazer de conta que ela não existe. Não adianta alguém te dizer “vc não deve sentir isso”, porque todo mundo sabe que não deve. Só que fingir que ela não existe não a faz desaparecer certo? Porque afinal de contas, como diz Mário Quintana,

Somos donos de nossos atos,
mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos,
mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos…
Atos sao pássaros engaiolados,
sentimentos são passaros em vôo.

Então, melhor deixá-los voar, melhor colocá-los pra fora – porque assim, eles não nos fazem mal. Certo?

EMAIL ENVIADO POR MINHA AMIGA JUSTINE CARDOSO

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