terça-feira, 19 de maio de 2009

Da opressão do meio



O ser é parte integrante do meio, e o meio acaba abduzindo o ser, transformando-o em parte de si, despersonalizando-o, para que ele não tenha chances de modificar o meio que vive. Sem a sociedade o ser não sobrevive, sem o ser a sociedade não existe. A evolução da sociedade só é possível a partir da evolução individual do ser.

A vida vegetativa abraçada por grande parte das pessoas não é especificamente uma escolha, é o único modo possível até que se atinja uma maturidade intelectual que nos mostre um novo modo de vida. A partir daí existe a escolha, você pode fazer parte ou não do sistema.

O problema da visualização dessa “escolha” é que independente do que escolhemos nos depararemos com o arrependimento. Uma dos maiores fatores para a infelicidade é a grande quantidade de escolha que temos que fazer todos os dias. Quando optamos por uma coisa, acabamos por descartar todas as outras.

A cada tipo de experiência de vida estaremos inevitavelmente experimentando a insatisfação. Quando isso se torna suficientemente sufocante procuramos ajuda na psicologia, filosofia ou religião. Embora qualquer uma delas possa solucionar temporariamente essa angustia, apenas uma prática real do desapego é que poderíamos viver sem a pressão das escolhas.
Apesar do budismo ter, em minha opinião, a melhor prática para o desapego, em um nível pratico, o estado zen quase se confundiria com a depressão. Isso porque a ação pelo não-ação, o não-querer, não-desejar, não são incompatíveis com o sistema social em que vivemos.

Esse sistema transforma o zen em depressão, ou capitaliza o zen, colocando-o numa redoma. A única linha de fuga possível seria sair completamente do sistema, ou se manter nos micros sistemas (propostos no post abaixo) onde não exista toda uma pressão social em prol do conservadorismo atual.

Ou seja, para existir uma mudança real no ser, este tem que mudar de meio, ou criar uma mudança no meio, fazendo com que tudo a sua volta se adapte a você. Embora isso pareça absurdo inicialmente, é algo que acontece o tempo todo. A mutação social começa justamente com essas pessoas que consciente ou inconscientemente moldam o mundo a seu redor.

Caso a pessoa não tenha suficiente força de vontade para mudar de meio, ou modificar o próprio meio, o que resta é a adaptação, onde efetivamente o meio subjulga o ser (como proposto por Lacan ou Adorno) despersonalizando-o ao máximo, até que não exista mais o território do eu (ou o campo A.T.). O ser simplesmente é mais uma peça da engrenagem do meio/sistema.

Abaixo um texto antigo sobre a Mímese

Espelhos sem imagens: mimesis e reconhecimento em Lacan e Adorno

Introdução

A história da relação entre a filosofia e a psicanálise teve um começo distinto e desvinculado na França, por Lacan e na Alemanha, pela escola de Frankfurt através de Adorno. Não há provas de que houve uma relação entre estes dois pólos, embora tenham estudado o mesmo assunto.

Permanecer diante do sujeito ... através do objeto

As experiências intelectuais tanto de Lacan quanto Adorno foram através de um projeto de retorno a Freud. Em Adorno, a teoria Freudiana foi decisiva na criação do conceito de auto-crítica da razão.

Tanto Lacan quanto Adorno tentaram renovar o os modos se sustentação do princípio de subjetividade a partir de uma estratégia absolutamente convergente. Em vez de assumirem o discurso da morte do sujeito ou do retorno à imanência do ser, ao arcaico, ao inefável, todos os dois estiveram dispostos a sustentar o princípio de subjetividade, embora desprovendo-o de um pensamento da identidade.

Nas mãos dos dois, o sujeito deixa de ser uma entidade substancial que fundamenta os processos de auto-determinação para transformar-se no lócus da não identidade e da clivagem. Assim a não-identidade poderá construir um horizonte utópico da mesma maneira com que ela representará aquilo que deve ser reconhecido pelo sujeito. No caso do sujeito essa não-identidade encontra seu espaço privilegiado de manifestação através da experiência do corpo, do impulso e de seus modos de subjetivação.

Esse regime de identificação não poderia ser compreendido a partir do mecanismo de uma projeção do eu sobre o mundo dos objetos, nem pela absorção do objeto através de uma rememoração, ao contrário, trata de levar o sujeito a se reconhecer no interior de si mesmo. Todo sujeito porta em si mesmo um núcleo do objeto. A subjetividade deve ser reconhecida em uma recuperação de confrontações próprias à dialética entre sujeito e objeto. Uma estrutura de reconhecimento de dimensões da subjetividade que não se esgotam na auto-objetivação do sujeito no campo subjetivo da linguagem. A este reconhecimento adorno deu o nome de mimesis.

Devemos compreender as tentativas adornianas de fornecer um modelo de comunicação não mais entre sujeitos, mas na confrontação entre sujeito e objeto.

Clínica e Reconhecimento

Em Lacan, a temática do reconhecimento estaria vinculada a intersubjetividade do desejo. Mas a partir do momento em que a psicanálise tenta se afastar da reflexividade própria do sujeito ela perde o critério para estabelecer a verdade do que se apresenta no campo da experiência. A não ser que voltemos a uma noção não-problematizada que não precisa do Outro para se legitimar. Assim, a cura na clínica lacaiana é indissociável de um movimento de subjetivação.

A auto-objetivação do sujeito, segundo Lacan, não estaria vinculada à posição de dimensões expressivas das aptidões de indivíduos socializados. Ela estaria vinculada ao reconhecimento do sujeito em um objeto que não porta sua imagem, que não porta as marcas de sua individualização.

Críticas da Intersubjetividade

A convergência entre mecanismos de socialização e processos de alienação é patrocinada por uma crítica totalizante da reificação da linguagem ordinária. O que impossibilita a auto-objetivação do sujeito no interior da realidade alienada das sociedades modernas. A objetivação construída pela ciência permitirá que o sujeito esqueça sua subjetividade.

A expressão no interior do campo intersubjetivo está necessariamente submetida a processos de reificação e de objetivação. A auto-objetivação do sujeito só pode se dar como alguma forma de negação de determinações intersubjetivas, negação dialética que, por sua vez, não seja retorno ao inefável ou ao arcaico.

Mimesis, natureza e estranhamento

O problema da mimesis em Adorno é interpretado como a recuperação de uma afinidade não-conceitual que escaparia à concepção de uma relação entre sujeito e objeto determinada a partir do modo cognitivo-instrumental que prometeria um modo possível de reconciliação entre o sujeito e a natureza. Nas palavras de Habermas “um retorno às origens, através do qual tenta-se retornar aquém da ruptura entre a cultura e a natureza.

A natureza apareceria como um signo de autenticidade, o que vai contra toda possibilidade de pensamento dialético da natureza no qual esta não é posta nem como horizonte de doação positiva de sentido, nem como simples construção discursiva reificada. A natureza é uma figura negativa, pois é exatamente aquilo que impede a indexação integral dos existentes pelo conceito.

Os eixos da problemática adorniana do mimetismo seriam: a teoria antropológica da magia, teoria psicanalítica das pulsões, mimetismo animal, e o problema estético da representação.

A atividade antidialética tende a reduzir ao ser do eu toda atividade subjetiva. Através da identificação com o outro se revela o que é da ordem das individualizações modernas. A referência-a-si só se constitui através da mediação pelo que é posto como marca de alteridade.

A identidade do eu seria dependente da entificação de um sistema fixo de identidades e diferenças categoriais. A projeção de tal sistema sobre o mundo é exatamente aquilo que é chamado de falsa projeção.

A pulsão de morte seria uma reconciliação do sujeito com a natureza. O que nos leva a ruptura do eu como formação sintética. De acordo com Deleuze, a morte procurada pela pulsão é o estado de diferenças livres quando elas não são mais submetidas à forma que lhe era dava por um Eu; quando elas excluem minha própria coerência assim como de outra identidade qualquer. Há sempre um morre-se mais profundo do que um ‘morro’.

A tendência a perder-se no meio ambiente pode ser interpretado em Roger Caillois da seguinte forma: O espaço parece ser uma potência devoradora para estes espíritos despossuidos. O espaço os persegue, os apreende, os digere em uma fagocitose gigante. Ao fim, ele os substitui. O corpo então se dessolidariza do pensamento, o indivíduo atravessa a fronteira da sua pele e habita do outro lado de seus sentidos.

Adorno livrou o conceito de mimetismo da sua subordinação à natureza como plano iminente e positivo de doação de sentido. O sujeito deve-se reconhecer para afirmar sua não-identidade. Ou seja, reconciliação com o objeto e destruição do eu como auto-identidade estática no interior de um universo simbólico estruturado.

O objeto é aquilo que marca o ponto no qual o eu não reconhece mais sua imagem, ponto no qual o sujeito se vê diante de um sensível que é a materialidade sem imagem, cuja confrontação implica um perpétuo decentramento.

O reconhecimento dos homens como sujeitos é dependente da capacidade de se identificarem com o que não submete mais aos contornos auto-idênticos de um eu com seus protocolos de individualização.

Especularidade e Opacidade

Em Lacan não encontraremos nada visível sobre o conceito de natureza, no entanto se levarmos em conta o caráter negativo da natureza proposto por Adorno (a natureza como aquilo que resiste à reflexão do conceito) a partir da teoria das pulsões, teremos um caminho [paralelo] a trilhas no texto lacaniano.

À primeira vista parece que Lacan não separa a falsa projeção narcisista da mimeses, como propõe Adorno, visto que o que Lacan chama de seu ‘estágio do espelho’ é como se o bebê projetasse seu eu em outro bebê, desvinculando suas zonas de interação com a mãe para ter uma imagem do próprio corpo.

Através da temática do desejo como pura negatividade, como falta-a-ser primordial, Lacan colocaria o reconhecimento na pura negatividade como a cura das ilusões de narcisismo e de alienação. E Lacan reconhecerá que o verdadeiro potencial da não-identidade não virá de uma transcendência negativa do desejo, será causado pelos objetos parciais que o sujeito tende a perder durante o fenômeno da socialização e formação do próprio corpo.

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