Fonte: Jornal Diário Catarinense, 26/06/2007
Certa vez, quando visitava a casa dos avós, o filho do físico Marin Soljacic, então com três anos, pegou pelo gancho um aparelho telefônico com 20 anos de uso e perguntou:
- Pai, por que esse telefone está preso com uma corda à parede?
Confrontado com a mente de uma criança que está crescendo num mundo sem fios, a única coisa que Soljacic conseguiu responder ao filho foi:
- Que coisa estranha, não?
Nos últimos anos, dispositivos eletrônicos portáteis como laptops, telefones celulares e tocadores de MP3 e tecnologias como Wi-Fi e Bluetooth começaram a libertar a humanidade do uso de fios para a transmissão de informações.
No início de junho, à frente de um grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Soljacic deu um passo em direção ao dia em que seu neto não reconhecerá um cabo de luz. A equipe do MIT acendeu uma lâmpada de 60 watts transportando a eletricidade por uma distância de mais de dois metros sem a utilização de fios. A experiência abre caminho para um futuro em que será possível enviar energia para dispositivos eletrônicos sem a necessidade de plugá-los à rede elétrica.
Métodos de transmissão sem fio são conhecidos há séculos. Talvez o mais famoso seja a radiação eletromagnética, que inclui as ondas de rádio. Mas não serve para transmitir eletricidade, já que as ondas se espalham em todas as direções, dispersando-se no espaço. A solução encontrada pela equipe de Soljacic foi a ressonância magneticamente acoplada. Baseia-se no fato de que dois objetos com a mesma freqüência de ressonância tendem a trocar energia de forma eficiente sem afetar os demais objetos em volta, que vibram em outras freqüências.
Para entender o princípio, imagine um quarto com cem copos de vinho idênticos, cada um cheio em um nível diferente, de modo que suas freqüências de ressonância sejam diferentes. Se uma cantora de ópera entoasse na sala uma única nota suficientemente alta, o copo correspondente à freqüência daquela nota poderia acumular energia e até explodir, enquanto os outros copos não seriam influenciados.
Os cientistas do MIT conseguiram identificar um ponto no qual os dois ressonadores ficam acoplados, mesmo quando separados por vários metros. Para testar a teoria, criaram um equipamento que chamaram de Witricity, acrônimo das palavras inglesas wireless (sem fio) e electricity (eletricidade). O aparelho consiste de duas bobinas de cobre, uma delas ligada a uma fonte de energia. Essa unidade transmissora preenche o espaço ao redor com um campo magnético não-radioativo oscilando a uma freqüência de alguns megahertz. O campo não-radioativo atua como meio para levar a energia até a outra bobina, projetada especialmente para ressonar na freqüência desse campo. A natureza ressonante do sistema garante que haja sempre uma forte interação entre as bobinas transmissora e receptora, evitando interrupções na transmissão da energia.
Ao acender a lâmpada, os pesquisadores demonstraram ser totalmente possível, por exemplo, a transmissão de energia em uma sala para abastecer computadores portáteis. E não apenas para recarregar suas baterias, mas para fazê-los funcionar como se estivessem ligados à rede elétrica. Quantidades de energia mais do que suficientes para alimentar um aparelho elétrico poderiam ser transmitidas através de um quarto, em todas as direções e de modo eficiente, independentemente da geometria do espaço em volta e de outros objetos que estejam no caminho entre o transmissor e o receptor. Isso significa que uma única fonte de energia seria suficiente para abastecer uma casa inteira.
Portanto, não será surpresa para Marin Soljacic se daqui a alguns anos seu neto vier visitá-lo e, diante de um velho televisor de 2007, perguntar:
- Vô, por que esta TV está presa com uma corda à parede?
(Provérbio Chinês)
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